“Bolsa Família e salário mínimo não se sustentam sem crescimento econômico”
25/07/2014 20:00
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As políticas sociais praticadas na última década garantiram uma posição de destaque ao Brasil na redução da pobreza e da desigualdade. Tais conquistas, porém, só se sustentarão se o Brasil atacar com firmeza a questão da produtividade, o que significa colocar o investimento como prioridade e melhorar o ambiente de negócios, para garantir crescimento. O diagnóstico é da diretora do Banco Mundial no Brasil, Deborah Wetzel, que vê um momento de transição na economia. Debbie, como é chamada, tornou-se, em 2012, a primeira mulher a comandar o escritório local do banco. Ela elogia a atuação do País na crise de 2008 e defende o BNDES, sem deixar de cobrar maior transparência do governo. “É fácil criticar, mas, se o BNDES não estivesse aqui, o resultado poderia ter sido diferente”, diz à DINHEIRO, referindo-se à crise.
DINHEIRO – Como a sra. avalia o desempenho atual da economia brasileira?
DEBORAH Wetzel – Os últimos cinco anos foram complicados para a economia global, e o Brasil foi bem. Ainda há muito a ser feito, mas, se considerarmos a extensão e a gravidade da crise em 2008 e 2009, constatamos que o Brasil estava muito bem preparado e teve o espaço macroeconômico para responder. O governo conseguiu administrar muito bem o período de retração mundial, mantendo o crescimento e a redução da pobreza e da desigualdade. O Brasil foi um dos poucos países que conseguiram fazer isso.
DINHEIRO – As projeções para o crescimento do PIB neste ano vêm se deteriorando e estão próximas de 1%. Ao ser questionada por um jornalista estrangeiro sobre as razões que levam o Brasil a crescer pouco, a presidenta Dilma Rousseff não soube responder. A sra. tem uma opinião sobre isso?
DEBORAH – O País está saindo do período do superciclo de preços das commodities. Seus principais parceiros estavam crescendo muito, a China, as economias emergentes, etc. Olhando o período de 2006 a 2009, só poderia dizer que Deus é brasileiro. O que aconteceu nos últimos anos? Tudo mudou fora do País. O ciclo das commodities terminou e a China está desacelerando. As fontes naturais de crescimento para o Brasil declinaram. Ao mesmo tempo, os países precisam, de tempos em tempos, ajustar como encaram o crescimento. No caso do Brasil, houve o Plano Real e a estabilização na década de 1990. Os governos Lula e Dilma foram muito focados na inclusão social. É um caminho muito diferente do que os outros países seguiram. Depois do sucesso na área de inclusão social, haverá a necessidade de uma transição, o que é normal para países depois que eles perseguem uma política por um período. Eles pensam: em quais áreas precisamos avançar agora? E essas áreas estão relacionadas a ajustes estruturais, de gargalos estruturais. O investimento foi residual por décadas. Será preciso trabalhar para que essa seja uma prioridade. Acho que o governo começou a fazer isso, mas é o tipo de ajuste que demora a surtir efeito. Nós gostaríamos que acontecesse em um ano ou dois. Mas o Brasil é uma economia complexa, com uma grande gama de coisas acontecendo.
DINHEIRO – A sra. mencionou a inclusão social e falou em “perseguir uma política”. Olhando para o futuro, não é possível avançar na questão social sem abrir mão do crescimento econômico?
DEBORAH – Claro. O sucesso que o Brasil conseguiu no lado social veio de uma série de políticas, da valorização do salário mínimo e de iniciativas como o Bolsa Família. Esses programas fizeram um grande trabalho, mas não conseguem se sustentar para sempre, sem crescimento econômico. Dito isso, o Brasil tem recursos humanos e naturais. E a questão é: como você consegue fazer mais com isso? E a questão principal é produtividade. Vai ser muito importante para o País focar na produtividade para sustentar os ganhos que alcançou na redução da pobreza e da desigualdade. Há formas de se fazer isso: avançar na qualificação de mão de obra, na redução dos gargalos de infraestrutura. Não é um “trade-off”, um contra o outro.
DINHEIRO – A mudança de modelo econômico vai demorar?
DEBORAH – Há coisas que podem ser feitas mais rapidamente e outras que levarão mais tempo. Por exemplo: alguns gargalos relacionados a assuntos regulatórios podem ser resolvidos no curto prazo. Claro que não vai acontecer antes das eleições (risos).
DINHEIRO – Mas depois das eleições…
DEBORAH – Bem, pode ser. Muitas coisas foram iniciadas, então espero que terminem, como o Minha Casa Minha Vida.
DINHEIRO – A sra. mencionou os investimentos, mas esta é uma área que parece não estar respondendo aos esforços lançados até agora. O que é preciso ser feito para avançar nesse quesito?
DEBORAH – Há várias coisas a serem feitas na área pública e na área privada. Na pública, a estrutura do orçamento é muito engessada. Existem muitos gastos compulsórios que são necessários para apoiar os serviços sociais. Por décadas, o investimento vem sendo tipicamente residual. Quando as questões compulsórias são resolvidas, o que sobra para investimento? A questão é definir como podemos ser mais estratégicos sobre quais são as demandas para investimento. Como podemos planejá-lo? Na área privada, o governo está fazendo progresso nas PPPs (Parceria Público-Privada), mas há que se avançar na padronização do ambiente regulatório. Investidores estrangeiros precisam entender os editais. Muitas pessoas estão preparadas para trabalhar no Brasil, mas entender como a Bahia é diferente do Rio de Janeiro é algo que acaba sendo mais complicado. O Banco Mundial trabalha com os governos para melhorar essas políticas de governos.
DINHEIRO – Essa dificuldade afasta o investidor estrangeiro do Brasil?
DEBORAH – O Brasil pode atrair muitos investidores. Mas, em termos de comprometimento de longo prazo, ajudaria se fosse criada uma espécie de plataforma de conhecimento de quem trabalhou aqui. As regras são diferentes em cada Estado. A padronização ajudaria a contornar alguns riscos que possam ter aqui.
DINHEIRO – Qual é o risco mais relevante?
DEBORAH – Há uma variedade de riscos: entender como os contratos funcionam e se os contratos de 30 anos serão realmente cumpridos, riscos de obra…
DINHEIRO – Nos últimos meses, vimos uma piora da confiança no Brasil. O mau humor foi inicialmente atribuído aos protestos que tomaram as ruas em 2013. De lá para cá, as manifestações diminuíram, mas não houve melhora. O que é preciso para reconquistar a confiança?
DEBORAH – Os protestos são uma coisa positiva. Certamente, foram uma surpresa para todos e são um símbolo de democracia. Pressionar o governo por mais qualidade de serviços é um avanço, mostra que os cidadãos estão engajados. Em termos de confiança, há duas dimensões: uma de curto prazo e outra de médio prazo. Na de médio prazo, ainda há muito otimismo e confiança no Brasil. Mas, na de curto prazo, as pessoas simplesmente estão se questionando: “quando vamos ter crescimento?” ou “por que não está acontecendo?” Meu feeling é que a confiança vai continuar forte. Há uma necessidade de o governo reforçar a transparência e deixar mais claro seu horizonte de políticas. Foi um ano turbulento e ainda vai ser por mais algum tempo.
DINHEIRO – Quanto tempo mais?
DEBORAH – Mais uns seis meses.
DINHEIRO – Nos últimos anos, dezenas de milhões de pessoas foram alçadas à classe C. Há risco de se perder essa conquista?
DEBORAH – É um grande avanço que o Brasil tenha conseguido tirar 36 milhões de pessoas da pobreza, desde 2003. É importante dizer que os programas precisam avançar. Há duas dimensões: uma são as pessoas muito vulneráveis. Sempre haverá aquelas que estão no limite, que se perderem o emprego, ou o marido ficar doente, ou se sofrerem um acidente, podem regredir à pobreza. O importante é manter uma rede para protegê-las. Sempre haverá uma pobreza transitória. O Brasil fez um grande trabalho com a pobreza crônica e terá de manter a rede para lidar com a transitória. A segunda dimensão é como sustentar os ganhos que ocorreram. Isso nos leva à questão da produtividade, para garantir a sustentabilidade desses programas.
DINHEIRO – O Bolsa Família é um programa completo?
DEBORAH – A próxima pergunta é: como garantir que eles entrem no mercado de trabalho? O fim da extrema pobreza é só o início.
DINHEIRO – O Brasil pode abrir mão do Bolsa Família algum dia?
DEBORAH – Baseado no que eu disse sobre pobreza transitória, não sei se chegará a esse ponto algum dia. Todo país precisa de uma rede de proteção básica, para a pobreza transitória. Tenta-se eliminar a pobreza crônica, mas coisas acontecem.
DINHEIRO – O BNDES tem sido alvo de críticas pela oposição por sua presença maior na economia. A sra. acha que o banco cresceu mais do que devia?
DEBORAH – É interessante que o BNDES tenha recebido tantas críticas. Quando a crise começou, eu estava nos EUA e tinha muita gente que gostaria de ter um BNDES. O BNDES é um banco de desenvolvimento, então cumpriu o seu papel. Por algum tempo, é natural que tenha respondido à crise. É também natural que continue a providenciar estímulo para sustentar e ampliar o crescimento. É natural e apropriado. Meu entendimento é que o governo vai segurar um pouco o BNDES. É fácil criticar, mas, se o BNDES não estivesse aqui, o resultado poderia ter sido diferente.
DINHEIRO – Como podemos trabalhar para reduzir os juros?
DEBORAH – Não é muito fácil de lidar no curto prazo. Pelo histórico, as pessoas não gostam de poupar aqui. É justo. Porque, antigamente, se você poupasse seus recursos, perdia dinheiro para a inflação. Diante de outros países no mundo, não há cultura de poupar, tanto no público como no privado. E esse é um dos maiores problemas para a taxa de juros alta. Então pensar em fazer as pessoas pouparem é um jeito importante. Resolver gargalos também vai ajudar. Agora, há uma situação em que a demanda supera a oferta, então tem de se elevar juros para conter a inflação.
DINHEIRO – A questão da poupança baixa é histórica. Vamos superá-la algum dia?
DEBORAH – É difícil dizer. Venho dos Estados Unidos, onde as pessoas não poupam. A questão demográfica vai colocar as pessoas para pensarem em como poupar. O sistema previdenciário hoje é muito generoso no Brasil.