Jornal GGN – Na crônica à seguir, o advogado e Procurador de Justiça do MPSP aposentado, Roberto Tardelli, levanta cenas do cotidiano enfrentado pelas principais vítimas na guerra contra as drogas: mães e filhos na periferia, chamando atenção para a sociedade discutir outro método para barrar os efeitos nocivos do uso de entorpecentes.
Leia também: Descriminalização pode reduzir danos de drogas
Pense nos teus filhos correndo, noite louca, no meio de um matagal, pense em tiros, pense em muitos tiros, que rasgam os corpos, que perfuram, que fazem esguichar o sangue no chão duro. Pensem no desespero de quem corre da morte, que sabe que é certa; pensem em teu filho correndo de uma força de ocupação, pensem nisso, pensem, no meio da noite, as ruas fechadas por todos os lados, o cerco à bala, encosta vagabundo! Tiro, tiro pra todo lado, tiro que deixa a roupa encharcada de sangue, que explode a cabeça, que faz o menino ser quase cortado de bala, rajada, tiro, encosta, duzentos gramas de cocaína, trezentas, ninguém vai escapar. Tiro, desliga essa porra, quem filmar vai morrer, filmou e morreu. As mães saindo na madrugada para catar seus mortos, para beijar seus mortos, para uivar de dor pelos seus mortos.
“Resistiram e obrigaram a guarnição a revidar o injusto ataque, resistiram à ordem de prisão, abrindo fogo contra a viatura, não logrando acertar nenhum disparo, mas obrigando a uma pronta de moderada reação. Guerra Contra As Drogas, perigosos traficante, destruidores das famílias honradas foram abordados e mortos pela polícia militar, que não perdoa quem reage, basta não reagir para não morrer”.
Tuas mãos tentando reanimar o filho, você só tinha a ele e vice-versa. O pai sumiu, desapareceu, muitos ali nasceram de estupros que ficaram por isso mesmo, tua saia curta “precipitou” a ação dos machos que te viam e de quem você não fugiu, mereceu. Mereceu. Mortos no chão. É fácil vir a turma dos direitos humanos, atrás de mesas e no ar condicionado, quero ver ir enfrentar a na madrugada. Parabéns ao governador e à sua polícia. Quem atira para matar tem que ser baleado para morrer. Não havendo provas de excesso na conduta dos policiais, arquivem-se os autos. Sobrou teu neto, filho de teu filho, esse que você não deixou ele negar.
Pense na solidão, agache três vezes. Agache. Agache e mostre os buracos de teu corpo, mulher. Pode ter celular na tua vagina, sua “puta”. Cocaína no seu cú, “traveco maldito”. Agache. Mostre. Teu filho foi pego com vinte papelotes e oitenta e sete reais. Ele trabalha? Como ele tem esse dinheiro em seu poder? Filho de preta faxineira, quem? A droga estava acondicionadas em eppendorfs e prontas para a ilícita comercialização. No ponto de tráfico, o réu não soube justificar ao miliciano a origem do dinheiro, a mãe pode ser médica, advogada, empresária, mas ele, ele, não, ele é nada. Não comprovou ocupação lícita. Disse que estudava, mas era escola pública, onde ninguém estuda. Preta faxineira, preto cotista.
A sociedade ordeira não pode ficar à mercê da impunidade de pequenos criminosos, que compõem a malha do tráfico. Tiro, o elemento portava um revólver calibre 38, com numeração raspada. Nossa moto-link traz imagens do teu filho.
Teu filho. Teu filho. Teu filho.
Por um minuto que seja de sua vida, pense nisso.
Pense nisso quando for defender a Guerra Contra as Drogas.
Roberto Tardelli é advogado e Procurador de Justiça do MPSP aposentado.