Blog do Levany Júnior

ALTO DO RODRIGUES RN-O neocolonialismo “pós-moderno” como ameaça ao Estado nacional, por Lorenzo Carrasco

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do Análises Estratégicas

O neocolonialismo “pós-moderno” como ameaça ao Estado nacional

por Lorenzo Carrasco

Palestra apresentada no Seminário “Defesa como Estratégia Nacional de Desenvolvimento e de Inserção Internacional do Brasil”, promovido pelo Comando Militar do Sul (CMS), Programa de Pós-graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS (PPGEEI) e Centro de Estudos Internacionais sobre Governo da UFRGS (CEGOV), em Porto Alegre (RS), em 21 de outubro de 2016.

I

Primeiramente, quero agradecer aos organizadores o convite para participar deste importante seminário sobre a inserção internacional do Brasil nessa confusa conjuntura internacional, nas figuras do general Edson Leal Pujol, Comandante Militar do Sul, coronel Mario Andreuzza, chefe do Núcleo de Estudos Estratégicos, e o professor Paulo Visentini, da UFRGS.

O tema de minha apresentação, O neocolonialismo “pós-moderno” como ameaça ao Estado nacional, requer uma avaliação do momento histórico em que nos encontramos, antes de analisar os eventos que o Brasil vem sofrendo em mãos do que podemos chamar uma “internacional ambientalista-indigenista” (ou “Máfia Verde”, como a denominei no livro de mesmo nome).

O Papa Francisco, durante sua visita ao Rio de Janeiro, em julho de 2013, declarou que vivemos não em uma época de mudanças, mas em uma mudança de época. Uma declaração instigante, que nos obriga a refletir sobre o que significa essa transição de uma época a outra; o que estamos deixando para trás e, consequentemente, que alternativas possíveis a civilização tem para o futuro; que alternativas tem para sair da aguda crise que a confronta, não só na ordem econômica, mas também de forma mais aguda, a profunda crise moral, produzida pela mudança dos valores fundamentais que sustentam a ordem e a justiça mundial, na qual se experimenta uma negação da dignidade do homem.

De fato, o mundo parece estar experimentando uma “sincronicidade” de múltiplos processos históricos convergentes, que prenunciam grandes mudanças no cenário global.

Inicialmente, partamos da situação estratégica atual. É evidente que os acontecimentos no Oriente Médio, especialmente na Síria, estão marcando o fracasso da chamada “Nova Ordem Mundial”, que surgiu nos eventos subsequentes à queda do Muro de Berlim, em 1989, e à subsequente derrocada do Império Soviético. Muitos, no campo dos analistas do Establishment hegemônico, consideravam que estes eventos se referiam tão somente às nações da antiga Cortina de Ferro, e se proclamavam euforicamente como os vencedores incontestáveis da Guerra Fria. Este ufanismo, que os levou a proclamar o “fim da História”, apenas escondia a própria crise do sistema ocidental, que se viu obrigado imediatamente a fomentar, por meio de uma ampla desregulamentação do sistema financeiro, uma verdadeira fábrica de bolhas financeiras especulativas, para sustentar um sistema global cada vez mais divorciado da economia física real. Bolhas que vêm provocando, cada vez com maior intensidade, uma série de turbulências nos mercados globais (uma imagem adequada é a de uma locomotiva desgovernada acelerando rumo a uma ponte que desmoronou).

O ano de 1989 ofereceu à humanidade a oportunidade de uma nova época de otimismo e reconstrução mundial, que pudesse se basear, não mais num sistema de hegemonias, mas num sistema cooperativo, como um autêntico novo Renascimento, com a superação dos imensos déficits de justiça social que caracterizavam e ainda caracterizam o cenário mundial, para que os chamados “dividendos da paz” pudessem ser empregados na reconstrução da economia mundial de forma a beneficiar todo o mundo. Isto não era e continua não sendo uma utopia. Poucos têm noção de que, pela primeira vez na História, a humanidade tem condições plenas de solucionar a quase totalidade dos problemas físicos para a sua existência em um elevado nível civilizatório, no que diz respeito à alimentação, controle da grande maioria das doenças, condições de habitação, capacidade de proporcionar trabalho decente a virtualmente toda a população adulta e outros itens que dão um sentido de propósito à vida humana civilizada. E isto pode ser estendido a uma população bem maior que a atual, a despeito de todos os prognósticos alarmistas e infundados sobre os “limites do crescimento” e outras palavras de ordem sem sentido criadas nos centros de poder anglo-americanos. Se essa perspectiva não está na agenda, não é por falta de recursos naturais ou de limites físicos da biosfera ou da suposta “fragilidade” do meio ambiente, mas por falta de vontade política e pelo sucesso da capacidade de convencimento dos centros de poder hegemônico, de que a agenda exclusivista que oferecem seria a única alternativa à disposição da humanidade.

Infelizmente, esses centros de poder oligárquico decidiram implementar uma estratégia diferente, para assegurar uma hegemonia unipolar, e o mundo não foi capaz de oferecer resistência a ela. Do esgotado “condomínio de poder” antes estabelecido com a antiga União Soviética, passou-se ao exercício de um poder unilateral, a “Nova Ordem Mundial”. A sua primeira manifestação foi a insidiosa campanha contra a reunificação da Alemanha, em 1990, na qual a premier britânica Margaret Thatcher chegou ao absurdo de comparar o chanceler alemão Helmut Köhl a um novo Führer à frente de um Quarto Reich. Em seguida, em janeiro de 1991, veio a operação militar contra o Iraque, a maior reunião de forças militares desde a II Guerra Mundial. Ao custo de 61 bilhões de dólares e 950 mil militares mobilizados, a chamada Operação Tempestade no Deserto devastou o Iraque. Em poucos dias, sob uma campanha devastadora de ataques aéreos, pela primeira vez transmitida ao vivo para todo o mundo, Saddam Hussein capitulou, tendo as suas forças armadas perdido 20 mil homens, com grande parte da infraestrutura física do país destruída.

Estava inaugurada a “Nova Ordem Mundial”, que seus propagandistas apresentavam como o “Novo Século Americano”. Foi sob esta ótica que os Estados Unidos e seus aliados na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) constituíram o que podemos chamar o “Clube das Bombas”, um eufemismo para melhor definir o complexo industrial-militar de que advertiu o presidente Dwight Eisenhower, já em 1961. Sem qualquer distinção, os presidentes George Bush pai, Bill Clinton, George Bush filho, até o atual, Barack Obama (ironicamente agraciado com o Prêmio Nobel da Paz), foram obedientes prepostos do “Clube das Bombas” e de Wall Street, duas entidades que são estreitamente interligadas.

Nos últimos 25 anos, essa estrutura hegemônica desfechou uma sequência ininterrupta de agressões e guerras abertas, no Iraque, Bálcãs, Afeganistão, Líbia, Somália, Iêmen e vários outros países. O Irã e a Síria também estavam na alça de mira, mas as intervenções cruciais da Rússia possibilitaram, primeiro, o acordo nuclear que desativou a campanha contra o Irã e, depois, a reviravolta no conflito na Síria, onde os EUA e seus aliados apoiam abertamente os jihadistas mobilizados contra o governo de Damasco. Agora, parece que o “novo século” chegou a um fim prematuro, com a ascensão da China e o retorno da Rússia ao primeiro plano das questões estratégicas mundiais, como se viu na sua entrada na luta contra o Estado Islâmico, na Síria. E é sintomática desse esgotamento da “Nova Ordem” a intenção da candidata democrata à Presidência dos EUA, Hillary Clinton, de colocar a Rússia e o presidente Putin como o inimigo central dos EUA, inclusive, acima do próprio Estado Islâmico, da Al-Qaida e suas franquias. Atitude que é compartilhada pelos estrategistas do Pentágono, como mostram várias manifestações públicas recentes deles.

Apesar da truculência e da vulgaridade chauvinista do rival republicano de Hillary, Donald Trump, este não deixa de ter absoluta razão ao responsabilizar as guerras no Oriente Médio, especialmente a destruição do Iraque, como as causas principais do surgimento do Estado Islâmico. E não é por outro motivo que literalmente todo o Establisment está mobilizado para derrotá-lo.

Assim, juntamente com essa disputa presidencial bizarra nos EUA, a vitória do Brexit no referendo britânico, as perspectivas eleitorais na Europa, especialmente na França e na Alemanha, que mostram uma ascensão de lideranças políticas nacionalistas, a percepção do aumento das desigualdades sociais em toda parte e os crescentes questionamentos à financeirização exacerbada da economia mundial (como muitos percebem a globalização), marcam definitivamente o final dessa ordem mundial.

Em 1991, eu tive a honra de ser um dos conferencistas no seminário “Lições da Guerra do Golfo”, organizado pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Na ocasião, pude expressar que o conflito

não foi nada mais que a justificativa para o lançamento  da “Nova Ordem Mundial”, cujo propósito principal é controlar os recursos naturais e o crescimento populacional do mundo, por meio de intervenções “extrajurisdicionais” da OTAN, prática que começou em 1982, na Guerra das Malvinas, cujas lições não foram corretamente avaliadas na época. (…) O conceito básico da nova ordem é a imposição mundial da soberania limitada, que permite a dominação estrangeira de vastas regiões do planeta, especialmente aquelas ricas em recursos naturais, particularmente energia e recursos minerais. Os pretextos mais diversos são usados – a alegada ameaça do crescimento populacional, o tráfico de drogas, a destruição do meio ambiente – para justificar a “preservação” de vastas áreas do planeta, como a Amazônia, considerada um “patrimônio da humanidade”.

Entretanto, a agenda da “Nova Ordem” não foi implementada manu militari em toda parte. Em vez disto, em países como o Brasil, ela tomou a forma de uma “guerra irregular” por outros meios, aproximando-se de um conceito que alguns estrategistas de hoje chamam uma “guerra de quarta geração”, na qual um Estado nacional não se confronta diretamente com outro Estado, mas com agentes não-estatais, que podem ou não estar a serviço de outros Estados. Aqui, por exemplo, ela tomou a forma de fortes pressões políticas e de propaganda, exercidas diretamente por governos (especialmente, de Washington e Londres) ou seus agentes de influência, na forma de uma constelação de organizações não-governamentais (ONGs) dedicadas a uma pletora de “causas nobres” de grande impacto social e midiático, mas com uma igualmente grande capacidade de dividir e fomentar divisões na sociedade. Entre elas, destacam-se:

– a proteção do meio ambiente e dos povos indígenas (em ambos os casos, com a demarcação de reservas de dimensões desproporcionais a quaisquer critérios racionais e vetos a projetos de infraestrutura fundamentais);

– a defesa dos “direitos humanos” (incluindo uma virulenta campanha de revanchismo contra as Forças Armadas);

– a campanha de desarmamento civil;

– a imposição de um “apartheid tecnológico” (vide o desmonte de vários programas tecnológicos avançados das Forças Armadas, restrições à energia nuclear etc.);

– a desestatização das empresas públicas; etc.

Com as exceções que confirmam a regra, na maioria dos casos, as aplicações de cada uma dessas agendas setoriais têm acarretado grandes prejuízos para a sociedade brasileira.

II

Neste ponto, esclareçamos o termo “neocolonialismo pós-moderno”, com o qual batizei esta conferência. O Império Britânico, após a Guerra dos Bôeres, na virada do século XIX para o XX, entendeu que era impossível a manutenção da sua predominância colonial com os métodos tradicionais de ocupação militar. Por isso, a sua elite intelectual concentrou esforços na reorganização do Império. A ideia central foi a de criar estruturas de um “governo mundial”, para o qual era fundamental a reconquista dos Estados Unidos às ideias coloniais da mãe-pátria. Como parte desses esforços, se idealizou a estrutura política da Commonwealth e, dentro dela, a criação de organizações não-governamentais, as nossas proverbiais ONGs, por intermédio das quais se poderia atuar politicamente dentro de diversos países, sem que isto configurasse uma intervenção estrangeira visível. Uma forma de ação que, mais tarde, foi denominada como exercício de soft power (poder suave), para manter as políticas intervencionistas nas antigas colônias.

Essa reorganização do Império caracterizou as primeiras décadas do século XX e foi nas conferencias de paz de Paris, ao final da I Guerra Mundial, que se explicitaram abertamente os planos para o estabelecimento de um “governo mundial”, com a consolidação do Establishment anglo-americano em três frentes: a criação de duas organizações gêmeas de coordenação política, o Conselho de Relações Exteriores de Nova York (CFR) e o Real Instituto de Assuntos Internacionais de Londres (RIIA ou Chatham House); a criação do Sistema da Reserva Federal como o banco central privado dos EUA, atuando em estreita coordenação com o Banco da Inglaterra; e a criação das primeiras fundações familiares oligárquicas – Carnegie, Rockefeller etc. –, para utilizar o filantropismo como um eficiente instrumento de intervenção política em países alvo.

Como não há espaço para um detalhamento, limitar-me-ei a citar uma organização que foi e tem sido fundamental para esse esforço: o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), que foi criado, na década de 1930, com o propósito de usar o “ecumenismo” como um instrumento político da pretendida estrutura de “governo mundial”.

No Brasil de hoje, em cada obra de infraestrutura de certo porte, em especial, na Região Amazônica, existe uma questão indígena e por trás dela a mão do CMI. De fato, o CMI tem financiado e promovido diversas iniciativas contra o desenvolvimento e a soberania do País, com ênfase nas questões agrárias, ambientais e indigenistas, além de ser um dos principais promotores da campanha de desarmamento civil. Entre as ONGs que recebem o seu apoio direto, destacam-se o MST, Via Campesina, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Instituto Socioambiental (ISA), Centro de Trabalho Indígena (CTI) e outras.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que o CMI está engajado em uma autêntica “guerra de quarta geração” contra o Estado nacional brasileiro, manipulando setores da sociedade contra os seus próprios interesses.

III

Aqui, vale a pena recordar que estamos falando sobre a era de colonialismo que emergiu ao final do século XVII, com o declínio das potências ibéricas e a consolidação da oligarquia anglo-holandesa, em torno da criação do Banco de Inglaterra como a “mãe” de todos os bancos centrais privados e um dos núcleos do futuro Império Britânico. No início do século XX, o bastão foi transferido para o Establishment anglo-americano e as instituições que mencionei anteriormente.

Nesses mais de três séculos, o sistema colonial travou uma guerra permanente contra os Estados nacionais soberanos, mas houve alguns episódios em que ele foi fortemente contestado. Foi o caso da Revolução Americana e seu sistema de economia política nacional, grandemente protecionista (palavra que hoje ganhou conotações quase pejorativas), associado às figuras de Alexander Hamilton, Friedrich List e Henry Carey, para mencionar apenas algumas das mais importantes. Esse “Sistema Americano de Economia Nacional” foi desenvolvido não somente como uma linha de pensamento econômico, mas como uma maneira diferente de organização da economia como um vetor de civilização. Isto ficou patenteado na Guerra Civil (1861-65), quando o presidente Abraham Lincoln travou duas guerras: uma contra os Confederados do Sul, defensores da escravidão; e outra contra os métodos e a aliança informal dos banqueiros de Nova York e Londres, que já antecipavam a aliança depois formalizada na Reserva Federal. O mesmo se pode dizer de Franklin Roosevelt, cuja morte prematura, em 1945, abriu caminho para a renovação do colonialismo. O último obstáculo foi removido com o assassinato do presidente John F. Kennedy, em 1963, que consolidou a nação estadunidense no baluarte de uma visão do mundo maniqueísta.

Esse maniqueísmo tomou a forma da predestinação calvinista e suas variantes, o “Destino Manifesto” e o “excepcionalismo”, que partem do pressuposto de que existem dois tipos de nações: umas eleitas para dominar e outras para se submeterem (recorde-se a proclamação do presidente George W. Bush: “Ou vocês estão conosco ou estão contra nós.”). Esse sistema maniqueísta-colonial e seus radicais valores filosóficos liberais foram se erigiram sobre uma rejeição às concepções que originaram os fundamentos do Estado soberano, os quais foram sometidos a uma “desconstrução”, sendo apresentados como princípios obscurantistas medievais. De fato, os antigos projetos hegemônicos, como os da oligarquia de Veneza, e o mundo das cruzadas “civilizatórias”, foram superados, precisamente, pelo advento das concepções cristãs do Estado soberano, como descritas, entre outros, por Santo Tomás de Aquino. Nos últimos três séculos, os obscurantistas têm sido exatamente as potências coloniais que, hoje, lutam pela preservação do seu sistema de privilégios.

Como parte desse desígnio de dominação, os poderes coloniais se empenharam em distorcer a colonização ibérica, com o seu forte caráter evangelizador, apresentando-a apenas como um “genocídio dos povos originários”. Esta “Lenda Negra”, originalmente introduzida pela Holanda, a Inglaterra e a França huguenote, ainda hoje é repetida por acadêmicos e propagandistas vinculados ao aparato neocolonial “pós-moderno”. Como disse um dos intelectuais mais influentes sobre o papa Francisco, o uruguaio Methol Ferré: “A Lenda Negra nos deixa com as raízes podres. Somos filhos de cadelas. A nossa história não vale a pena. É a mera história de uma infâmia. O que somos? O que podemos ser com tal nascimento? Nada, simplesmente nada. Ficamos divididos conosco mesmos, nem indígenas, nem caboclos, nem mestiços, nada. E do nada o que pode resultar? Somente um novo destino colonial.”

Por ironia, veio de um dos grandes apologistas do Império Britânico, o historiador Arnold Toynbee, o reconhecimento da importância da colonização ibérica, quando disse: “Os espanhóis e portugueses cristãos e católicos levaram a cabo um sentido colonizador peculiar; não somente comem o pão com os indígenas que civilizaram, mas também se casam com eles. Deus os abençoe. Se o gênero humano algum dia chegar a se unir em uma só família, será graças a eles, e não a nós.”

Foram tais interesses, como essa ideologia propagandística, que lançaram a campanha contra os 500 anos da Descoberta da América, em 1992, e, depois, contra o quinto centenário do Descobrimento do Brasil, em 2000. Toda a rede de ONGs do “neocolonialismo pós-moderno” foi mobilizada para atacar as raízes culturais originais da Ibero-América, construídas em uma das maiores façanhas civilizatórias da história humana. Atacam a colonização e evangelização da América, enquanto ocultam as mazelas da colonização praticada pelas demais potências europeias e ofuscam os efeitos das suas variantes “pós-modernas”.

Não é por acaso que, ainda recentemente, o CMI tenha assestado a sua artilharia contra o que chama a “Doutrina do Descobrimento”, com virulentos ataques às bulas papais do século XV com as quais o Vaticano “oficializava” as navegações portuguesas e espanholas. Também não é casual que alguns textos do MST sobre o assunto dissessem que era preciso “apagar o farol que Colombo acendeu”.É nesse contexto que entra o movimento indigenista internacional, viciado de origem com essas concepções neocolonialistas. O seu propósito é criar conflitos étnico-raciais internos, para minar o desenvolvimento nacional ou fomentar conflitos fronteiriços em regiões ricas em recursos naturais. Eu e meus colegas do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa) temos acompanhado de perto as ações dessa autêntica “internacional ambientalista-indigenista”, que motivado literalmente centenas de palestras no país e no exterior, além da publicação de vários livros e folhetos. Para citar apenas alguns deles: Máfia Verde: o ambientalismo a serviço do governo mundial(2001); Máfia Verde 2: ambientalismo, novo colonialismo (2005); Uma demão de verde(2008); Quem Manipula os povos indígenas contra o desenvolvimento do Brasil (2014);Conselho indigenista Missionário, Filho da Mentira(2016), este último baseado em meu depoimento na CPI do CIMI, na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul.

IV

Voltando ao esgotamento da “Nova Ordem Mundial”, é evidente que as potências hegemônicas estão resistindo a essa tendência, mesmo que isto implique em colocar o mundo em risco de um conflito global. Isso porque nem a Rússia nem a China aceitam mais a prevalência da ordem hegemônica, muito menos uma “Nova Guerra Fria” ou o estabelecimento de um “cordão sanitário” em torno da Rússia, como os EUA e a OTAN parecem estar pretendendo, com o estabelecimento de um muro virtual de medo e a insegurança, inclusive, com a instalação de sofisticados sistemas antimísseis nas fronteiras da Federação Russa.

A grande questão é saber se a Europa estará disposta a embarcar novamente nos jogos geopolíticos anglo-americanos, que marcaram o século XX e contribuíram para provocar as duas guerras mundiais, jogando com as ambições do Kaiser Guilherme II e do FührerAdolf Hitler. Sabe-se que importantes setores das elites europeias veem o cenário com muitas preocupações. Uma evidência disto foi o comentário do ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, no jornal Bild, em 8/10/2016: “Infelizmente, é uma ilusão acreditar que isso é a velha Guerra Fria. Os novos tempos são diferentes; eles são mais perigosos. Anteriormente, o mundo estava dividido, mas Moscou e Washington conheciam as linhas vermelhas do outro e as respeitavam. Em um mundo com muitos conflitos regionais e uma influência decrescente das grandes potências, o mundo se torna mais imprevisível.”

Em paralelo, um fator da maior relevância é o renascimento cristão da Rússia, que tira o pretexto da luta contra o comunismo como vetor de conflito. Este é um fato fundamental. A Rússia está se reconstruindo com base nos seus valores culturais e espirituais, que foram combatidos e em grande medida suprimidos pelo regime comunista. Aliás, o comunismo foi uma característica do século XX. A Rússia está deixando para trás o século XX, entendendo que o futuro continua residindo no fortalecimento do Estado nacional soberano e seus valores fundamentais e, com base neles, pretende reconstruir suas relações com a Europa Ocidental e o Ocidente em geral. Porém, esta é uma realidade que tem provocado uma raiva descomunal nas elites hegemônicas anglo-americanas, pela ameaça de contágio desse “mau exemplo” em âmbito global.

Então, se partirmos da realidade da erosão da hegemonia estratégica global dos Estados Unidos, podemos antever também um declínio relativo do papel do dólar como principal moeda mundial de reserva. As iniciativas da China, Rússia e dos BRICS, com novos bancos de desenvolvimento, um “pool” de reservas cambiais, grandes projetos de infraestrutura etc., nos apresentam a perspectiva de estabelecimento de uma estrutura alternativa para as finanças globais, não exatamente para “competir” com as instituições controladas pelo Ocidente – FMI, Banco Mundial etc. –, mas para abrir uma opção cooperativa e produtiva para reorientar os fluxos financeiros para a economia física real, em lugar de mantê-los concentrados na jogatina especulativa, que está arruinando tanto o próprio sistema financeiro como a economia mundial. Por isso, a reação a essa deterioração já está sendo chamada de “desglobalização”, e com o aprofundamento da crise sistêmica que tem caracterizado as finanças globais, a “alternativa eurasiática” poderá vir a ser um proverbial bom exemplo a ser seguido. Neste particular, em relação ao Brasil, assume um caráter estratégico a participação do país no grupo BRICS e como sócio fundador do Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura (AIIB), criado pela China.

V

Para finalizar, perguntemo-nos o que significa esse esgotamento da hegemonia unipolar dos EUA e do sistema do dólar como moeda de referência. Seguindo uma lógica histórica linear, poderíamos perguntar-nos também qual seria a potência ou grupo de potências que se constituiriam em um novo hegemon mundial, da mesma maneira que os Estados Unidos e o dólar substituíram o Império Britânico e a libra esterlina.

Aparentemente, uma das características gerais que definem a mudança de época à qual se referiu o papa Francisco é a inviabilidade da continuação da Civilização sob um novo centro hegemônico ou, mesmo, vários deles. Se pararmos para pensar que, após a II Guerra Mundial, houve uma possibilidade de se erradicarem todas as formas de colonialismo, como era a intenção manifesta do presidente Franklin Roosevelt, temos a impressão real de que o mundo desperdiçou sete décadas. Neste período, vimos o velho colonialismo ser substituído por uma variante “pós-moderna” do mesmo jugo de metrópoles sobre nações apenas nominalmente soberanas, mas em grande medida incapazes de estabelecer agendas nacionais de interesse da maior parte das suas populações.

Hoje, a perspectiva mais promissora que temos em vista, no futuro imediato, é a emergência de um sistema cooperativo de blocos de nações soberanas, cujo marco inicial poderá ser a integração do eixo eurasiático encabeçada pela China e a Rússia.

Entretanto, um desfecho positivo dessa mudança de época irá requerer como tarefa central o restabelecimento dos princípios cristãos do Estado nacional soberano: o reconhecimento da igualdade intrínseca das nações; liberdade de culto e de formas diversas de autogoverno; a noção de pessoa humana e, portanto, dos seus direitos inalienáveis; reconciliação entre fé e razão; e o restabelecimento da dignidade e do direito fundamental ao trabalho. Estes requisitos devem estar presentes na reconstrução da economia mundial, nos esforços educacionais e, não menos, nos avanços da ciência e da tecnologia. Em suma, é preciso que o princípio do Bem Comum seja consolidado como o princípio central da formulação das políticas públicas. Ousando fazer um exercício prospectivo, talvez, mais que qualquer revolução tecnológica, essa venha a ser a grande revolução de que a humanidade precisará no século XX, um sistema que contemple o Bem Comum e a justiça social. E é no diálogo das diferenças, e não no conflito, que se pode abrir caminho para a edificação de uma verdadeira comunidade internacional.

Para o Brasil, parece evidente que, pelas suas dimensões e potenciais, o país poderá ter um papel protagonista nesse novo cenário, mas para isso os brasileiros terão que se empenhar para concretizar a vocação de grandeza que está no seu “inconsciente coletivo”, para seguir usando a linguagem de Jung, não aceitar a imposição de quaisquer tipos de tetos e, em particular, preencher três condições.

A primeira é recuperar a capacidade de emissão de crédito, especialmente de longo prazo, e redirecioná-lo para as atividades produtivas. Hoje, o país é refém de um sistema financeiro que tem no gerenciamento da dívida pública a sua atividade mais lucrativa. Sem uma repactuação dessa dívida, que possibilite uma retomada do pleno aproveitamento das suas capacidades produtivas e inovadoras, dificilmente, haverá condições de escapar da sina dos “voos de galinha”, com surtos esporádicos de crescimento em uma tendência geral de desenvolvimento limitado e muito abaixo dos seus potenciais.

A segunda é retomar a capacidade decisória plena sobre a ocupação territorial e a utilização dos seus recursos naturais, hoje, em grande medida, alienada à influência do aparato ambientalista-indigenista internacional na formulação das políticas setoriais. Sem que isto implique em negligenciar as necessidades racionais de proteção do meio ambiente e dos cuidados com os seus indígenas, o Brasil deve imitar os seus parceiros BRICS, a Rússia, China e Índia, que já se decidiram a enquadrar nos devidos termos esse aparato de “guerra irregular” contra os interesses nacionais.

E a terceira é assumir definitivamente a sua condição de líder natural não ufanista da América do Sul, como centro de gravidade da integração física e econômica do subcontinente. Essa integração não pode limitar-se aos aspectos físico-econômicos, mas, seguindo o exemplo da Rússia, ela deve se basear nas negligenciadas raízes cristãs da colonização e evangelização ibero-americana, que, não por acaso, são atacadas pelos promotores do colonialismo “pós-moderno”.

Infelizmente, o tempo é curto para nos estendermos, mas esses aspectos fundamentais são mais detalhados no livro recém-lançado pelo MSIa, Uma nação desarmada (Capax Dei, 2016) que os interessados poderão consultar.

Muito obrigado.

 

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