Coincidentemente, no momento em que iniciava sua fala para advogados, juízes e promotores na Escola Superior de Magistratura, o diretor-geral do Depen era comunicado do motim na terça-feira passada que culminou na morte de um detento do Pavilhão Rogério Coutinho Madruga, em Alcaçuz, a segunda deste ano. Numa breve análise da situação na qual se encontra o Rio Grande do Norte, com carceragens superlotadas e presos circulando livremente em algumas delas, Renato De Vitto destacou que é preciso que o Governo do Estado invista em infraestrutura e retome o poder que hoje está nas mãos dos presos. Acompanhe, nesta entrevista, a análise do diretor-geral do Depen sobre o sistema prisional potiguar.
Como o Depen analisa a situação do Sistema Penitenciário do Rio Grande do Norte?
O Depen tem acompanhado, com espírito de parceria e colaboração, o drama vivenciado pelo estado no que diz respeito ao sistema prisional. Temos dito que a situação do Rio Grande do Norte, no que diz respeito à política penitenciária, ela é a síntese, é o fruto de um descaso em relação a essa política de vários anos. Nós não chegamos a uma situação tão complicada como a que vivemos hoje de um ano para o outro, mas sim e talvez a partir de uma década. E também não tem solução simples. Hoje, nós temos a situação do crime organizado dentro do sistema prisional. Não existe solução mágica para isso. A retomada dos espaços internos, fortalecimento das carreiras de agente penitenciário, a requalificação do nosso pessoal penitenciário, a revisão das diretrizes são os únicos caminhos seguros para que a gente melhore a gestão prisional e evite os homicídios que são inaceitáveis e que estão acontecendo dentro do sistema prisional.
Por que se mata tanto dentro dos estabelecimentos prisionais?
A questão dos homicídios no sistema prisional, em geral no Brasil, é extremamente preocupante. Se mata seis vezes mais dentro da cadeia do que fora. A pessoa que é presa ela tem o risco seis vezes maior de ser morta por homicídio no sistema prisional do que fora do sistema prisional. Do ponto de vista do Governo Federal, nós dialogamos com o Estado permanentemente – embora recursos já tenham sido perdidos para construção de novas vagas no sistema prisional – no sentido de dar apoio. No próximo mês de setembro, nós iremos efetuar a doação de equipamento de raio-x ao Estado, aquela raquete, os portais como se veem em aeroporto e banquetas para que a gente possa melhorar a segurança do estabelecimento prisional criando mecanismos para impedir a entrada de armas e celulares.
Há solução para o sistema potiguar?
A solução para o sistema penitenciário norte-riograndense vai exigir uma série de ações. Essas ações já foram desenhadas em conjunto com o secretário de Justiça, Edilson França, com o governador e com a secretária de Segurança Pública, e elas estão em andamento. Nós não podemos descartar a possibilidade de haver convulsões e distúrbios no sistema prisional, mas acreditamos que, nesse momento, o Estado do Rio Grande do Norte passa a olhar com prioridade esse problema. Esse é, sem dúvida, o primeiro passo para que o Governo Federal possa auxiliar no enfrentamento desses graves problemas que estamos vivenciando aqui na capital e no interior.
O Estado vive uma situação que nos parece inédita em relação à livre circulação dos presos nos pavilhões. Isso contribui para escavação de túneis e tentativas de fuga. Como o Depen avalia isto?
Essa constatação não se aplica somente ao estado (do Rio Grande do Norte). Existem situações também dramáticas em outros estados semelhantes a essa. Em que existe a figura do chaveiro e a tranca pra dentro, os próprios presos se auto-organizam. O Depen entende que a gente precisa valorizar as carreiras e criar também condições de trabalho, para que o agente penitenciário possa cumprir suas escalas de trabalho e fazer as inspeções, o chamado pente fino, com alguma periodicidade para evitar escavações, para evitar manutenção de ilícitos, para evitar desmandos e barganhas entre as próprias facções criminais e evitar, em última análise, a morte de pessoas como está acontecendo no sistema prisional. Não é uma exclusividade, lamentavelmente, do estado do Rio Grande do Norte. Também não tem solução mágica para isso. É recompor o efetivo e dar capacitação, treinamento e retomar esses espaços. O Depen não acredita que o Estado deva deixar, da tranca para dentro, os presos se auto-organizarem. Embora a gente acredite que o modelo de gestão que trabalhe a construção de espaços de confiança com o preso, o controle dos espaços internos é do Estado. O controle não pode ser dos presos, porque quando é dos presos, resultados como esse, como a morte e os homicídios acabam se colocando como inevitáveis.
O secretário Edilson França cogitou a adoção de prisões-contêineres para mitigar a falta de vagas no sistema prisional potiguar. O Depen é favorável a esse tipo de encarceramento?
O Governo Federal traça diretrizes arquitetônicas para estabelecimentos prisionais. Existe uma resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que estabelece quais são os requisitos de um estabelecimento penal para que ele possa cumprir as exigências legais previstas na Lei de Execuções Penais. Os contêineres não atendem às recomendações da Resolução 09/2011, que traça esses requisitos. Nós entendemos que os estabelecimentos devam ter conforto térmico, ventilação, aeração, espaços mínimos que normalmente a solução do contêiner, por vezes até um equipamento sofisticado de contêiner, não atendem. Então, o Depen não chancela e não repassa recursos para nenhuma solução que não observe requisitos arquitetônicos mínimos, como a existência de um módulo de saúde, de módulo para educação e trabalho, espaço para visita social e banho de sol. Sem isso, a gente não consegue garantir o cumprimento adequado da pena.
O senhor acredita que o Estado do Rio Grande do Norte necessitará de quanto tempo para retomar o controle do sistema prisional?
Toda reforma penitenciária é lenta. O primeiro passo é prioridade política e isso o governador acenou que está enxergando o sistema penitenciário como um espaço de preocupação. Se o governador, com o competente quadro de secretários que ele tem, de fato focar como prioridade esse sistema, eu acredito que a gente possa já sentir bons resultados em médio prazo. Evidente que, olhando o cenário internacional, as experiências de reforma penitenciária que deram certo em outros países, são processos lentos e longos. São processos de construção de diálogo, de pactuação com o Poder Judiciário, com os órgãos de Segurança Pública, para que a gente também qualifique a prisão que vem sendo feita. Não banalize a prisão e reserve para aqueles casos graves que demandam a neutralização da pessoa. Evitando a prisão naqueles casos em que o crime foi cometido sem violência ou grave ameaça, em que a pessoa é réu primária, não tem laços com o crime organizado. Então, nós entendemos que, mantida uma perspectiva de priorização política e investimento, a gente tem, de fato condição, até pelo relativo baixo número de presos no Rio Grande do Norte, encontrar uma solução adequada para isso num médio prazo.