J.
Da Tribuna de Minas
Daniela Arbex
“Tem que metralhar. Tem que metralhar. Tiro na cabeça. É isso que tem que fazer”, disse a mulher jovem que pedia pena de morte para uma criança acusada de roubar manifestantes no Rio que saíram às ruas no último domingo contra o desgoverno brasileiro. Confesso que fiquei chocada ao assistir ao vídeo que circulou na internet. A filmagem revela que o mesmo garoto não foi somente alvo de xingamentos. Foi agredido por homens adultos e até uma idosa após ter sido apreendido pela polícia. Além de tapa e puxões de cabelo, o menino foi ameaçado por quem estava na rua.
Aquela cena de barbárie não aconteceu em uma rua periférica da cidade maravilhosa, nem nos temidos morros cariocas. Desenhou-se na área frequentada pela classe média do Brasil que direcionou todo o seu ódio à pobreza contra o garoto de cabelo descolorido, o típico “bandidinho que o pessoal dos direitos humanos quer defender”.
Quanta miopia há entre os que se autodenominam “cidadãos de bem”, pessoas que se dizem corretas apenas por pagar seus impostos, mas que são capazes de destituir de humanidade um menino que antes de ser autor de violência foi vítima silenciada. Onde estavam essas mesmas pessoas que pediam a condenação do garoto vulnerabilizado, quando ele não teve acesso à saúde, à educação de qualidade ou à condições mínimas de vida? O ladrãozinho, desgraçado – como a criança foi chamada pelos bem nascidos de Copacabana e adjacências – é a personificação de tudo que a sociedade se recusa a enxergar. Alçá-lo a condição de “marginal” é o meio mais fácil de dar as costas para a desigualdade que transforma iguais em diferentes. Tornar o outro menos brasileiro e menos humano é uma forma de justificar o justiçamento.
E, quando o discurso das vidas que valem mais é disseminado, todos corremos risco. A proteção à infância é um dever legal do Estado, sim, mas também de cada um. Se o meu filho tem direito a uma infância sadia, por que os filhos de outras mães não podem ter? Por que desejar o melhor só para os nossos, esquecidos da dor alheia? Se nós, brasileiros, estamos fartos de tanta corrupção e violência, estamos também fartos da covardia e da omissão nossa de cada dia. De gente que faz discursos inflamados na defesa dos próprios direitos, mas que age de maneira incoerente e igualmente violenta contra alguém que, na opinião deles, nem deveria ter nascido. Mas os filhos do Brasil estão aí, mesmo que a gente finja não vê-los. Ignorar quem nos incomoda não modifica a realidade, pois com braços cruzados não construiremos nada.
O Brasil precisa mudar. Nós também.