Leia a reflexão sobre Marcos 6,1-13, texto de Carlos Mesters e Mercedes Lopes.
Boa leitura!
- Nos sete Círculos deste bloco (Mc 3,13-6,13), cresceu o conflito e apareceu o mistério de Deus que envolvia a pessoa de Jesus. Agora, chegando no fim, a narração entra numa curva. Começa a aparecer uma nova paisagem. O texto que meditamos neste encontro é um resumo do segundo bloco e faz a ligação com o terceiro bloco (Mc 6,14 a 8,21). Ele tem duas partes bem distintas, como os dois pratos da balança. A primeira descreve como o povo de Nazaré se fecha frente a Jesus (Mc 6,1-6). A segunda descreve como Jesus se abre para o povo da Galileia enviando os discípulos em missão (Mc 6,7-13).
- No tempo em que Marcos escreveu o seu evangelho, as comunidades cristãs viviam uma situação difícil, sem horizonte. Humanamente falando, não havia futuro para elas. A descrição do conflito que Jesus viveu em Nazaré e do envio dos discípulos, que alargava a missão, despertava nelas a criatividade. Pois para quem crê em Jesus não pode haver uma situação sem horizonte.
II. COMENTANDO
- Marcos 6,1-3: Reação do povo de Nazaré frente a Jesus
É sempre bom voltar para a terra da gente. Após longa ausência, Jesus também voltou e, como de costume, no dia de sábado, foi para a reunião da comunidade. Jesus não era coordenador, mesmo assim ele tomou a palavra. Sinal de que as pessoas podiam participar e expressar sua opinião. Mas o povo não gostou das palavras dele e ficou escandalizado. Jesus, um moço que eles conheciam desde criança, como é que ele agora ficou tão diferente? O povo de Cafarnaum tinha aceitado o ensinamento de Jesus (Mc 1,22), mas o povo de Nazaré se escandalizou e não aceitou. Motivo? “Esse não é o carpinteiro, filho de Maria?” Eles não aceitaram o mistério de Deus presente num homem comum como eles! Para poder falar de Deus ele teria que ser diferente deles!
Como se vê, nem tudo foi bem-sucedido. As pessoas que deveriam ser as primeiras a aceitar a Boa-nova, estas são as que se recusam a aceitá-la. O conflito não é só com os de fora de casa, mas também com os parentes e com o povo de Nazaré. Eles recusam, porque não conseguem entender o mistério que envolve a pessoa de Jesus: “De onde vem tudo isso? Onde foi que arranjou tanta sabedoria? Ele não é o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? E suas irmãs não moram aqui conosco?” Não deram conta de crer.
- Marcos 6,4-6a: Reação de Jesus diante da atitude do povo de Nazaré
Jesus sabe muito bem que “santo de casa não faz milagre”. Ele diz: “Um profeta só não é estimado em sua própria pátria, entre seus parentes e em sua família!” De fato, onde não existe aceitação nem fé, a gente não pode fazer nada. O preconceito o impede. Jesus, mesmo querendo, não pôde fazer nada. Ele ficou admirado da falta de fé deles.
- Marcos 6,6b-13: Envio dos doze para a missão
O conflito cresceu e tocou de perto a pessoa de Jesus. Como ele reage? De duas maneiras. 1) Diante do fechamento da sua família e do seu povoado, Jesus deixou Nazaré de lado e começou a percorrer os povoados nas redondezas. 2) Ele abriu a missão e intensificou o anúncio da Boa-nova. Chamando os doze, os enviou com as seguintes recomendações: deviam ir dois a dois, receberam poder sobre espíritos maus, não podiam levar nada no bolso, não deviam andar de casa em casa e, caso não fossem recebidos, deviam sacudir o pó das sandálias e seguir adiante. E eles foram. É o começo de uma nova etapa. Agora já não é só Jesus, mas é todo o grupo que vai anunciar a Boa-nova de Deus ao povo. Se a pregação de Jesus já dava conflito, quanto mais agora, com a pregação de todo o grupo! Se o mistério já era grande, ainda será maior com a missão intensificada.
III. ALARGANDO
Envio e missão
No tempo de Jesus havia vários outros movimentos de renovação. Por exemplo, os essênios e os fariseus. Também eles procuravam uma nova maneira de conviver em comunidade e tinham os seus missionários (cf. Mt 23,15). Mas estes, quando iam em missão, iam prevenidos. Levavam sacola e dinheiro para cuidar da sua própria comida. Pois não confiavam na comida do povo, que nem sempre era ritualmente “pura”.
Ao contrário dos outros missionários, os discípulos e as discípulas de Jesus recebem recomendações diferentes que ajudam a entender os pontos fundamentais da missão de anunciar a Boa-nova, que recebem de Jesus e que ainda é a nossa missão:
a) Deviam ir sem nada. Não podiam levar nada, nem bolsa, nem ouro, nem prata, nem dinheiro, nem bastão, nem sandálias, nem sequer duas túnicas. Isto significa que Jesus os obriga a confiar na hospitalidade. Pois quem vai sem nada vai porque confia no povo e acredita que será recebido. Com esta atitude criticavam as leis de exclusão, ensinadas pela religião oficial, e mostravam, pela nova prática, que tinham outros critérios de comunidade.
b)Deviam comer o que o povo lhes dava. Não podiam viver separados com sua própria comida e deviam aceitar a comunhão de mesa. Isto significa que, no contato com o povo, não deviam ter medo de perder a pureza tal como era ensinada na época. Com esta atitude criticavam as leis da pureza em vigor e mostravam, pela nova prática, que tinham outro acesso à pureza, isto é, à intimidade com Deus.
c)Deviam ficar hospedados na primeira casa em que fossem acolhidos. Isto é, deviam conviver de maneira estável e não andar de casa em casa. Deviam trabalhar como todo o mundo e viver do que recebiam em troca, “pois o operário merece o seu salário” (Lc 10,7). Em outras palavras, eles deviam participar da vida e do trabalho do povo, e o povo os acolheria na sua comunidade e partilharia com eles casa e comida. Significa que deviam confiar na partilha. Isto também explica a severidade da crítica contra os que recusavam a mensagem (Lc 10,10-12), pois não recusavam algo novo, mas sim o seu próprio passado.
d) Deviam tratar dos doentes e necessitados, curar os leprosos e expulsar os demônios (Lc 10,9; Mt 10,8). Isto é, deviam exercer a função de “defensor” (goêl) e acolher para dentro do clã, dentro da comunidade, os que viviam excluídos. Com esta atitude criticavam a situação de desintegração da vida comunitária do clã e apontavam saídas concretas.
Estes eram os quatro pontos básicos que deviam marcar a atitude dos missionários ou das missionárias que anunciavam a Boa-nova de Deus em nome de Jesus: hospitalidade, comunhão de mesa, partilha e acolhida aos excluídos (defensor, goêl). Caso estas quatro exigências fossem preenchidas, eles podiam e deviam gritar aos quatro ventos: “O Reino chegou!” (cf. Lc 10,1-12; 9,1-6; Mc 6,7-13; Mt 10,6-16). Pois o Reino de Deus que Jesus nos revelou não é uma doutrina, nem um catecismo, nem uma lei. O Reino de Deus acontece e se faz presente quando as pessoas, motivadas pela sua fé em Jesus, decidem conviver em comunidade para, assim, testemunhar e revelar a todos que Deus é Pai e Mãe e que, portanto, nós, seres humanos, somos irmãos e irmãs uns dos outros. Jesus queria que a comunidade local fosse novamente uma expressão da Aliança, do Reino, do amor de Deus como Pai, que faz de todos irmãos e irmãs.