GUAMARÉ RN-Aquela palavra que começa com a letra”C”, por Sergio Saraiva
por Sergio Saraiva
Adultos atiram pedras em meninas vestidas de branco e os chamamos de homens de Deus.
Homens se riem de moças cegas e os chamamos de comandantes.
Um homem branco instrumentaliza o sofrimento de homens pretos e pardos em favor dos interesses de homens brancos como ele. Do que o chamamos? De secretário da redação.
Bandidos levam a julgamento uma mulher honesta por um crime inexistente e dizemos que suas excelências cumpriram todos os ritos legais. Dois dias depois, esses mesmos bandidos aprovam entre si que o crime de que acusaram a mulher não é mais crime, mas que a história não volta atrás nem a lei retroage para beneficiar. Damos-lhes razão.
Óbvio está que não sabemos mais do que falamos.
Corruptos notórios vão aos jornais mostrar sua indignação com a “roubalheira”, damos-lhes ouvidos e vamos às ruas defender a sua causa.
Com dois pesos para a mesma medida passamos a avaliar a honestidade dos nossos homens públicos. Um peso para os amigos outro para os inimigos. Tudo devidamente interpretado na letra da lei.
Pessoas pobres recebem assistência médica – isso é mal. Pessoas pobres são mortas a tiros – isso é bom. O risco da fome é afastado e a desigualdade diminui – irresponsabilidade administrativa. Cortam-se as verbas da saúde e da educação para garantir o pagamento dos juros – a economia do país volta a entrar nos eixos.
Nada mais faz sentido porque perdemos o sentido das palavras e com ele o sentido das coisas.
Não sabemos mais o que significa democracia, liberdade de expressão, presunção de inocência, direito de defesa ou Estado democrático de direito.
Foram, essas palavras, substituídas por conceitos vagos tais como “combate à corrupção”, “domínio do fato” e “desvio de finalidade”, quando não por oximoros éticos do quilate de “delação premiada”. Ou jocosos – “pedaladas”. Quem sabe o que cada um desses termos significa? Significam o que o poderoso de plantão disser-nos que deva significar. Aceitaremos. Queimaram-se nossos dicionários morais.
“Todo poder emana do povo”. Mas não sabemos mais o que significa a palavra povo.
Povo, toga, beca, farda ou pato amarelo, o que têm em comum? O que significa cada um desses termos? Não mais sabemos a diferença, tomamo-los por sinônimos.
E tenho por mim que esse estado de incoerência coletiva tem por início o momento em permitimos que a palavra “canalha” se tornasse, entre nós, um arcaísmo. Não o canalha em si, por certo, mas a palavra que o designava. Temerosos de ofendermos a honra dos que não a tem, não mais usamos a palavra “canalha”. Acabamos por desaprender o seu significado.
Não mais sabendo o que a palavra “canalha” significa, passamos a correr o risco de considerarmos canalha o estado natural das coisas.
E passamos, então, a mandar senhoras tomar no cu.
PS: Oficina de Concertos Gerais e Poesia trabalhando sem descanso para divulgar a palavra.
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