EXTREMOZ RN-O PT naufragou nas marolinhas do presidencialismo dependente do parlamento
Por Geraldo Hasse
Do Século Diário
Seja qual for o desfecho do processo de impedimento da presidenta Dilma no Senado – estamos em agosto, mês de cachorro louco –, faz sentido realizar um balanço em torno das realizações do petismo. Afinal, em praticamente a metade dos últimos 28 anos – período entre a entrada em vigor da Constituição de 1988 e o afastamento da presidenta Dilma –, o governo federal esteve nas mãos do PT com Lula (oito anos) e Dilma (cinco anos e cinco meses).
Nos outros 14 anos a Presidência foi ocupada por oito anos pelo PSDB (com FH Cardoso); por dois anos pelo corisco carioca-alagoano Fernando Collor (PRN, atual PTC); no tempo restante, o comando ficou nas mãos de três vices do PMDB (José Sarney, dois meses, contado apenas o tempo decorrido após a promulgação da Constituição); Itamar Franco, dois anos; e Michel Temer, três meses – e por aí já se vê o quanto o PMDB é “cavalo chegador”).
Todos sabem do legado petista: manteve o principal da política econômica do governo FHC (era o que interessava aos ricos, que vivem do principal e dos juros), mas iniciou uma série de programas voltados para os pobres, que sempre viveram mais de promessas do que de benesses.
Para fazer essa “revolução social”, o partido de Lula contou com o apoio do ex-partido de oposição consentida à ditadura militar (MDB, hoje PMDB), que atuou como o fiel da balança entre as aspirações da esquerda e os temores da direita. E também obteve a adesão de outros partidos viciados no toma lá-dá cá, pagando sabe-se lá que preços. Deu no que deu, mas parece que muita gente ainda não entendeu o espírito da coisa.
Todos se lembram da “marolinha”, palavra usada por Lula para qualificar a crise financeira global iniciada em 2008. O Brasil surfava então nas ondas das commodities supervalorizadas, do pleno emprego, da inflação baixa e dos juros relativamente reduzidos do endividamento público –, num gesto de altivez imensurável, Lula até mandou o Tesouro emprestar dinheiro ao Fundo Monetário Internacional, depois de pagar, adiantado, o que devia ao FMI.
A equação econômica brasileira ia tão bem que Lula viabilizou como sucessora na presidência a economista Dilma Rousseff, uma técnica que nunca havia disputado uma eleição. E tudo foi relativamente bem até começar a desandar em protestos de rua no primeiro semestre de 2013.
Camisas amarelas nas ruas e bateção de panelas nas varandas, mais as manchetes sobre as propinas nos contratos da Petrobras, infernizaram o segundo mandato de Dilma, iniciado com a substituição do longevo ministro da Fazenda petista Guido Mantega, desenvolvimentista pragmático, pelo economista Joaquim Levy, monetarista ortodoxo “indicado” pelo Bradesco.
Em um ano de trabalho, Levy não conseguiu fazer a lição de casa, que seria “enxugar”, fazer o ajuste fiscal, promessa do atual ministro Henrique Meirelles, que presidiu o Banco Central do Brasil nos governos Lula.
Em meia dúzia de anos, a “marolinha” de Lula virou um tsunami que elevou a inflação, turbinou os juros e fez subir as taxas de desemprego. Enquanto o país entrava em recessão, a Operação Lava Jato punha gasolina na fogueira, diariamente, mediante “vazamentos” à mídia, sob o olhar tolerante do Supremo Tribunal Federal, cujos ministros se esforçam para parecer neutros, como Pilatos na antiguidade romana.
Diante do esgotamento político e econômico do governo Dilma, quem apareceu no comando do processo de impedimento presidencial? O carioca Eduardo Cunha (PMDB), presidente da Câmara, que abriu caminho para a posse do vice Michel Temer (PMDB), que se fez assessorar por Eliseu Padilha (PMDB), José Serra (PSDB) e Moreira Franco (PMDB), contando ainda com a ajuda luxuosa de Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado. Ajudaram na missa Aécio Neves (PSDB) e Aloysio Nunes Ferreira (PMDB), componentes da chapa presidencial derrotada em 2014.
Nesse jogo sedicioso, para o qual muito contribuiu o comportamento “republicano” da presidenta Dilma, que se fez cercar por uma heterogênea equipe de assessores e ministros “cada um por si” – de Aloisio Mercadante a Katia Abreu e Jacques Wagner, além de medalhões do PMDB como Edson Lobão, Eliseu Padilha, Moreira Franco e outros –, a cúpula do PMDB, toda ela ardentemente fisiológica, foi apoiada pelos principais partidos de oposição ao PT, especialmente o PSDB e o DEM, que manobram para conquistar posições visando futuras eleições.
Sem dúvida, a jogada parlamentar em prol do impedimento da presidenta sujou a barra da maioria dos políticos, cujo conceito oscila entre “chantagistas”, “sabotadores” e “venais”, mas há um saldo positivo desses últimos dois anos: não dá mais para esconder que todos os partidos estão contaminados por distorções históricas do sistema político brasileiro, cujos elos se conectam direta ou indiretamente com as principais empresas brasileiras. É aí que mora o perigo. Perigo global. Há gringos na costa à espreita do petróleo do fundo do mar.
As principais empresas envolvidas são as grandes empreiteiras de obras públicas, que “ajudaram” parlamentares a tocar em frente suas campanhas eleitorais. Por conta de denúncias de réus confessos da Operação Lava Jato, foi afastado da presidência da Câmara o deputado Eduardo Cunha, capitão do processo de impedimento da presidenta Dilma.
Várias denúncias o incriminam, mas ele não é processado, como se contasse com um “sursis”. Colocado num raro limbo político, ele não reclama. Parece estar bom assim para ele. Supõe-se que tenha informações importantes sobre dinheiro de campanha e outras contravenções. O potencial destrutivo de Cunha paralisa não apenas o partido, mas inibe o governo interino e constrange até o Poder Judiciário, que aguarda, talvez, o fim da sua imunidade parlamentar.
Por aí fica bastante claro que o PMDB, como as outras agremiações partidárias eleitoralmente mais fortes, não tem coesão sequer como detentor do poder. E há vozes dissonantes como as do ex-governador do Paraná, Roberto Requião, que destoa mas não sai do coro. E quem rege tamanha zorra? Evidentemente, não é o presidente interino, que se esforça para levar adiante essa estranha missa, mas oscila sob pressões variadas de interesses diversos. O veneno que paralisou o PT intoxica o PMDB e os outros partidos.
Em pleno eclipse da autoridade delegada pelo voto popular, é consenso mais ou menos geral que o alvo principal da “campanha” antiPT é o ex-presidente Lula, que teria se tornado inconveniente para os grandes “players” do mundo globalizado por sua ideia fixa em “ajudar os pobres”.
Tenha ou não condições políticas de concorrer em 2018, Lula provavelmente não deixará um sucessor. Teria sido Zé Dirceu, não fosse o Mensalão. Poderia ter sido Tarso Genro, mas o chefe do PT apostou em Dilma, que teima em sair bem da cena, mas dificilmente voltará à tona diante da força do consórcio dos derrotados com os oportunistas.
Com tudo isso, Lula se assemelha a Brizola, que não conseguiu fazer do PDT um partido de massas. E agora quem vai herdar o espólio do PT? Quem comandará a sigla, se ela sobreviver?
Tirando o inovador Haddad, que periclita em São Paulo, acuado por conservadores e ex-petistas como Erundina e Marta Suplicy, o melhor elenco de petistas está no Rio Grande do Sul. Olivio Dutra é uma reserva moral. Tarso Genro, um intelectual formulador. Raul Pont, um professor com cacife para eleger-se novamente prefeito de Porto Alegre, onde é um dos candidatos mais bem cotados em pesquisas. Em poucos estados brasileiros (Maranhão, Bahia, Minas) o PT encontra quadros do quilate dessas cabeças coroadas do petismo gaúcho – todas inconformadas com o envolvimento de companheiros em maracutaias. Num documento de quatro páginas publicado quando o PT completou 35 anos, em fevereiro de 2015, o ex-governador Olivio Dutra condenou as “articulações serôdias”, as “coligações espúrias”, “a cultura da acomodação e do pragmatismo” desde que o partido “se inseriu de corpo inteiro na institucionalidade”. Conclusão de Olivio: quem do partido se uniu a contraventores e “ladravazes de colarinho branco” deve ser julgado e punido — pelo Judiciário, não pela imprensa.
Talvez caiba aos gaúchos o papel de reabilitadores e reconstrutores do PT. Mas somente as urnas dirão se o partido ainda tem um bom quinhão da confiança popular. Antes do fenômeno Lula, que explodiu em 2002, o PT nunca havia passado de 14% do eleitorado. Para chegar lá, precisou fazer acordos, alianças e parcerias com outros partidos. Para ficar no jogo, teve de fazer concessões. Deu no que deu.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”
Ditado popular brasileiro
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