ALTO DO RODRIGUES RN-ONU Mulheres acredita que há cultura do estupro no Brasil
Jornal GGN – A representante da ONU Mulheres no Brasil concedeu entrevista para a Folha de S. Paulo e disse que não há exagero em afirmar que o país está convivendo com uma “cultura do estupro” e que é preciso combater todas as manifestações de machismo e assédio, desde os assovios para mulheres nas ruas.
“Ter a notificação de 50 mil estupros por ano no país também leva a esta conclusão. Parte da sociedade está reagindo, está empenhada em defender os direitos das mulheres, a igualdade de gênero e o empoderamento da mulher. Mas existe outra parte, machista e sexista, que continua achando que os corpos das mulheres estão aí para serem tomados, dando força à cultura do estupro”, disse.
Da Folha de S. Paulo
Que homens não calem ante violência contra mulher, diz membro da ONU
Por Jairo Marques
Para a médica Nadine Gasman, 58, representante no Brasil da ONU Mulheres –entidade das Nações Unidas para a igualdade de gênero– não há exagero em afirmar que o país está convivendo com uma“cultura do estupro” e que é preciso combater atitudes como os assovios para mulheres nas ruas.
Mestre em Saúde Pública pela Universidade Harvard e doutora em Gerenciamento e Políticas da Saúde pela Universidade Johns Hopkins, ambas nos EUA, Gasman tem nacionalidade mexicana e francesa e está na ONU desde 2005. Ela já dirigiu campanha pelo fim da violência contra as mulheres para a América Latina e o Caribe.
Ela questionou a necessidade de uma nova estrutura, na Polícia Federal,anúncio feito pelo presidente interino Michel Temer, para apurar estupros. “O Brasil já tem os mecanismos efetivos para dar uma resposta às mulheres. A rede de atendimento pode ser aprimorada, mas é necessário analisar bem se é preciso adicionar um novo serviço”, diz.
Folha – As redes sociais proclamam repúdio à “cultura do estupro” no Brasil. O conceito sobre o país está adequado?
Nadine Gasman – Diante do que temos visto atualmente, sim. Ter a notificação de 50 mil estupros por ano no país também leva a esta conclusão. Parte da sociedade está reagindo, está empenhada em defender os direitos das mulheres, a igualdade de gênero e o empoderamento da mulher. Mas existe outra parte, machista e sexista, que continua achando que os corpos das mulheres estão aí para serem tomados, dando força à cultura do estupro.
A Presidência manifestou repúdio ao crime do Rio e anunciou nova estrutura de segurança. A questão é investigação, proteção?
O que precisamos são ações em todos os âmbitos: na cultura, na educação, na escola, na família. Temos é que reforçar o programa brasileiro chamado Mulher, Viver sem Violência, que visa a construção de uma sociedade que tenha zero tolerância à violência contra a mulher. É importante ter leis, políticas e uma rede de atendimento que dê uma resposta humanizada e efetiva às vítimas. Uma mulher estuprada precisa de, nas primeiras horas após o ocorrido, acesso a anticoncepcionais de emergência, medicamentos para prevenir doenças sexuais, apoio psicológico, social e jurídico.
O Brasil já tem os mecanismos efetivos para dar uma resposta às mulheres. A rede de atendimento pode ser aprimorada, mas é necessário analisar bem se é preciso adicionar um novo serviço.
Que fatores motivariam casos perversos como o do Rio?
A existência de uma cultura machista no ambiente, somada à questão de uma gangue que achava que a violência contra uma menina era parte da festa, sem que nenhum deles tenha se manifestado contra o ato, dá a ideia de um desprezo profundo de 33 homens à vida e ao corpo de uma garota.
Pensar que se é mais homem com agressividade, que as mulheres existem para que ele faça delas o que quer é a questão por trás disso tudo. Ainda há a mentalidade de que o homem é mais importante, tem mais direitos. Dessa forma, as campanhas de conscientização atuais estão fazendo o chamado voltado ao homem. Primeiro para que eles não se calem diante de um ato de violência contra a mulher, que tenham o compromisso pessoal de impedir estas situações, que usem os espaços sociais que têm para mudar o pensamento dos outros. Temos de engajar o homem para trabalhar pela igualdade.
A vulnerabilidade à violência é maior em algum perfil de mulher?
É generalizada. Pesquisa recente da Actionaid [ONG global pelos direitos humanos] revelou que 86% das mulheres já foram assediadas na rua. Mas é claro que ter mais acesso à educação, mais autonomia econômica, uma rede de apoio à disposição diminui os riscos. Então, as políticas públicas precisam garantir que qualquer mulher, em qualquer situação sinta que está empoderada.
Aparatos tecnológicos de troca de imagens e vídeos contribuem com o aumento da violência contra a mulher?
A ciberviolência, difundida pela internet e pelas mídias sociais, é uma questão gravíssima e é um crime. Pensar que esse caso ocorrido no Rio foi divulgado nas redes é um absurdo sem tamanho, mas é relevante lembrar que 800 pessoas denunciaram a postagem e a trataram como inaceitável.
A representação mais igualitária da mulher em diversas esferas sociais também pode implicar violência?
Sem dúvidas. A violência contra a mulher tem a ver com a forma como a sociedade divide o poder, os recursos, os preconceitos. Por mais que se tenha, como é o caso do Brasil, um movimento de mulheres forte, expressivo e atuante, os espaços de poder real da mulher, tanto em governos como em empresas, ainda é limitado.
O medo de denunciar ainda é empecilho para punição?
Isso está mudando bastante. O serviço Ligue 180 [canal gratuito para denúncias e orientações] tem sido um veículo muito importante para as mulheres terem mais informações sobre o que pode ser considerado violência, para terem com quem falar sobre suas situações e para fazerem denúncias. São 25 mil chamadas por dia. É muita gente falando do tema.
Combater os assovios para a mulher na rua é necessário?
Totalmente. Se 86% das mulheres dizem que são assediadas na rua, elas estão deixando de fazer atividade cotidianas e têm medo de estarem sozinhas. Que cidade se quer viver? Que país se quer construir? Esses comportamentos são formas de violência e fazem parte de uma cultura machista que acha que se pode mexer de maneira psicológica, física e sexual com uma mulher em local público. Na pesquisa da Actionaid, 8% das mulheres disseram ter sido estupradas em espaços públicos. Número enorme. Temos de falar contra todos os tipos de violência contra a mulher, desde o assédio na rua, no trabalho, em casa e até na política.
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