O “jeitinho” e a vergonha
– Mamãe, por que têm crianças roubando brinquedos na televisão. Por que as mães e os pais não proíbem e devolvem?
A pergunta acima foi feita por Alanah, dez anos, filha caçula de Monica e Pedro, depois de ver as imagens dos saques que se multiplicaram como coelhos no comércio da Região Metropolitana do Recife na quarta e quinta-feiras. Os pais não souberam o que falar para a menina. Mas talvez uma pesquisa divulgada em março pela Confederação Nacional da Indústria sobre o “jeitinho brasileiro ajude a entender o que danado aconteceu.
Segundo o levantamento, 82% dos entrevistados achavam que a maioria dos brasileiros age querendo tirar vantagem, enquanto só 16% acreditavam que as pessoas agem de maneira correta. Curiosamente, foi no Nordeste onde essa visão, digamos, jeitosa se cristalizou mais. Somaram 89% os que achavam que os outros querem apenas tirar vantagem. Só 9% dos nordestinos disseram acreditar que as pessoas agem de maneira correta por aqui.
Na época da divulgação da pesquisa, o coordenador do levantamento, Renato da Fonseca, deu alguns exemplos clássicos do “jeitinho”: dirigir pelo acostamento, furar a fila, oferecer toco ao guarda para não levar multa. Ele não falou sobre saques. Mas bem que poderia ter falado. Os saqueadores pernambucanos deram muitos exemplos – reproduzidos em cadeia nacional – de como a sociedade está contaminada pelo “jeitinho”.
O que choca – a mim chocou muito – é que a maioria dos homens e mulheres que aproveitaram a falta de policiamento nas ruas para ir às compras sem precisar pagar sempre se considerou “gente de bem”. Deve seguir achando a mesma coisa. Para essas pessoas, houve uma janela de oportunidades para conseguir de graça a geladeira, a máquina de lavar, a televisão de LCD, a bicicleta do filho.
Que “gente de bem” é essa que rouba? Sinto muito, mas não são “vândalos”, como disseram por aí. Esses saqueadores são ladrões, não muito diferentes dos assaltantes profissionais que também aproveitaram a greve para engordar os rendimentos. “As pessoas podem defender uma sociedade sem corrupção, mas, nessas pequenas coisas, elas não têm essa ética, e aí você começa a perder confiança”, disse Renato da Fonseca em março.
Tudo bem que muito do que andou circulando nas redes sociais era boato, era “ouvir dizer”. Mas as imagens do “jeitinho brasileiro” ligado no volume máximo que chegaram de Abreu e Lima, Igarassu, Paulista, do Recife e de outras cidades da Região Metropolitana do Recife eram verdadeiras. E machucaram. Nem precisa imaginar como vai ser na Copa. A gente já começou a passar vergonha antes dela começar.
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