Como devorar o devorador?
A vontade de escrever e pesquisar sobre o tema, surgiu da necessidade de atender a centenas de irmãos que por email ou durante congressos e palestras, me pediam uma análise mais profunda sobre o assunto. Meu desejo com este estudo é conferir às Sagradas Escrituras toda soberania e autoridade para emitir uma resposta definitiva sobre a questão da “teologia do devorador”.
Desde 1970, e após o largo crescimento no Brasil das igrejas neopentecostais nos anos 80, a teologia da prosperidade ou triunfalismo, continua sendo um divisor de águas nas opiniões dos mais diferentes grupos cristãos, e por conta desta teologia e da ação nefasta de algumas organizações “cristãs”, a igreja foi reduzida em um balcão de negócios e barganhas espirituais com Deus, sustentada pelo desejo da prosperidade financeira e da conquista material.
Neste estudo, não quero me ater à questão do dízimo. O que quero discutir são os mecanismos criados por mentes fantasiosas, impondo uma carga emocional sobre as pessoas que vão trazer ofertas ou dízimos em suas respectivas igrejas. Creio que o dízimo é um princípio voluntário do indivíduo que reconhece que suas necessidades são supridas pelo Senhor, e que ao entregar o dízimo estamos reafirmando esta dependência de Deus e tomando uma atitude prática ao desapego material e escravizador do dinheiro.
Mas nas últimas décadas, muitas pessoas foram ensinadas a dizimar e ofertar sendo motivadas pela troca de algo, impondo condições nesta relação a tratando Deus como um negociador, agiota ou empregado, coisas que definitivamente Deus não é. Daí a razão porque muitos tentam passar a ideia que é errado contribuir. Na verdade a contribuição com dízimos ou ofertas faz parte do nosso crescimento espiritual e do desenvolvimento de uma espiritualidade sadia, porém a imposição de “regras” e “medos” geram as divergências nas igrejas e os abusos que vemos em nossos dias.
A Teologia do Devorador – Como nasce uma heresia?
Muitos pastores em nossos dias, influenciam cristãos através de seus ensinos à acreditarem na existência de um certo tipo de “demônio” que devora e destrói as finanças, gerando inúmeros e diferentes tipos de prejuízos financeiros em diversas áreas da vida das pessoas. Estes pastores chamam este demônio de “devorador”. Segundo o ensino desta heresia, este demônio é tão poderoso, que nenhuma oração “em nome de Jesus” têm poder de repreendê-lo, apenas a devolução do dízimo possui este poder.
A heresia do devorador, toma como base os textos de Malaquias 3:10-12 e de Joel 2:25-27. Posteriormente vamos fazer a exegese destes textos para o esclarecimento de que eles são usados indevidamente para tais afirmações. Porém foram nos livros de batalha espiritual que esta heresia se fortaleceu e influenciou as interpretações equivocadas sobre o assunto. Um dos livros que popularizou a teologia do devorador foi o livro “Por trás das Bençãos e Maldições” do Bispo Robson Rodovalho, pastor presidente do ministério Sara Nossa Terra.
No livro, Rodovalho faz um paralelo, fruto de uma “revelação” que ele teve, de que os quatro tipos de gafanhotos eram na verdade, quatro tipos de “espíritos malignos”, que atacam os homens, quando estes possuem “brechas” em sua vida financeira. Esta analogia não está pautada em uma pesquisa séria sobre o texto, é apenas uma alegoria mística sem nenhum fundamento exegético. Vejamos o que o autor diz logo na introdução do livro:
“Existe um depósito de bênçãos em Cristo Jesus, que foi trazido na cruz do Calvário. Por este motivo, você pode aceitar a plena e total libertação de Deus. Você não precisa viver uma vida de bênçãos pela metade. Você pode viver uma vida de plenitudes de bênçãos. Não aceite, ser liberto pela metade. Possuir bênçãos, mas apenas bênçãos espirituais. As bênçãos de Deus não são apenas espirituais. Sem dúvida, elas começam no espírito, que é a fonte de toda luz, de toda ação e iniciativa de Deus, mas estas bênçãos alcançam todas as áreas de nossas vidas. Estas bênçãos alcançam as seguintes áreas: emocional, financeira, profissional, física, espiritual, conjugal, relacionamento de família, tudo que você necessitar. O propósito de Deus é que você se despoje de tudo que possa trazer maldição à sua vida. No tempo antes de Cristo, a pessoa levava heranças malignas de maldição sobre si; agora, da bênção que o Senhor trouxe. Assim, meu irmão, não aceite viver parcialmente. Não aceite ser cristão carregando ainda maldições que possam estar assolando sua vida.” (1)
Ao escrever sobre a questão financeira na vida dos crentes, Rodovalho não deixa dúvidas sobre o que ele acredita em relação aos textos de Joel e os gafanhotos. Vejamos:
“O Cortador: Este era aquele que tinha o poder para cortar. Quando o brotinho nascesse, logo seria cortado. Começa a fazer um negócio, vem alguém e desmancha. Inicia uma empresa lucrativa e aí vem os prejuízos e tem que fechar. Começa a ter esperança no trabalho, logo vem um chefe que se indispõe e manda embora. É o espírito de gafanhoto cortador que está liberado contra a pessoa.
O Migrador: Este é um demônio que migra, muda, não fica em lugar fixo. Ele opera em um período, depois ele volta. Um ano depois, volta novamente. Ele migra até de família em família, região em região. Você já percebeu que de vez em quando começam os acidentes de carro? Sabe o que é isso? São os espíritos migradores. Fazem danos em uma casa trazendo acidentes e perdas financeiras, logo depois aquele espírito de tormenta vai perseguir outra família, outra casa.
O Devorador: Este tem o poder para cortar mais fundo que o migrador. Ele devora, come velozmente, arranca as cascas e o cerne das plantações deixando apenas a raiz, às vezes deixando só o tronco morto ou semimorto. O devorador toca não apenas nos bens da pessoa, mas no casamento, nas emoções. Delibilita a própria saúde, o próprio equilíbrio que aquela pessoa possuía.
O Destruidor: Este tem o poder para tirar a vida da planta. Ataca a raiz. As pessoas que se suicidam, muitas delas o receberam. Começa com a perda financeira. Vai envolvendo-se em negócios inescrupulosos, tormentos, até que perde tudo o que possui. O espírito do gafanhoto destruidor arrasa completamente os bens, a felicidade, a saúde e a própria vida da pessoa, matando-a!” (2)
Este é apenas um dos muitos exemplos de como o terrorismo psicológico está associado a algumas liturgias evangélicas e como pessoas ficam aprisionadas com falsos ensinos como estes. Sem nenhum critério de interpretação, a teologia do devorador, é uma analogia grosseira e uma alegoria mística sem fundamento interpretativo.
Infelizmente nos nossos dias a discussão sobre a autenticidade deste assunto é quase que “abolida” do meio evangélico. Pois a verdade, é que muitos ministérios se ergueram com base no medo e na força de muitas heresias relacionadas com as ofertas e dízimos das pessoas. Uma análise bíblica mais profunda, hermeneuticamente honesta e correta geraria a necessidade de arrependimento e confissão do erro doutrinário, o que poderia criar inúmeros problemas à manutenção de tais ministérios. E por isso, é quase que unânime a resposta de quem tem esta doutrina fundamentada em sua vida: “Temos que devolver o Dízimo, pois pertence ao Senhor. Se não devolver 10% do que ganhamos, estaremos roubando à Deus e o devorador atacará nossas finanças”.
O movimento Reformado representou um retorno às Escrituras Sagradas. Como conseqüência, um certo acúmulo de tradições humanas e culturais acrescentadas à fé apostólica e que não condiziam com a perspectiva bíblica foi varrido da igreja.
Devemos levar em consideração também que não há erro quando alguém obriga a si próprio a não comer carne, ou guardar determinados dias, ou se abster de algo, ou colocar sobre si qualquer outra obrigação sobre a qual não há mandamento bíblico (Rm 14.2-6). Porém, o erro passa a existir quando pretendemos impor a outra pessoa ou comunidades inteiras exigências que a Bíblia jamais impôs.
A igreja, desde a afirmação Paulina de que Cristo nos libertou da Lei (Gl 5:1) vive a tensão entre a prática do dízimo e a sua descentralização. Controvérsias relacionadas com o dízimo percorrem séculos de história. Muitos puritanos no século XVII lutaram pela abolição do dízimo, substituindo-os por contribuições voluntárias para sustentação das instituições eclesiásticas e clericais. (3)
Enfim, poderíamos citar inúmeros textos e histórias relacionados com o dízimo, mas a discussão neste estudo chama a atenção para a pregação que considera o dízimo como uma “proteção” financeira contra o demônio chamado “devorador”. Criando assim uma heresia supersticiosa. A superstição é uma ferramenta perfeita nas mãos de alguns líderes religiosos. Na idade média, as pessoas acreditavam que comprando indulgências escapariam do purgatório indo diretamente para o céu. Quanto dinheiro o clero medieval não amealhou durante séculos explorando a crendice supersticiosa de milhões de sinceros?
Enquanto muitas seitas modernas disseminam absurdos supersticiosos como ferradura atrás da porta, folhas de arruda sobre a orelha, ou crendices populares como o trevo da sorte e a pata de coelho, um segmento da igreja evangélica investe na superstição criada pela doutrina do dízimo/devorador. Mensagem esta que não condiz com a liberdade do novo concerto em Cristo.
Conhecendo os textos, os contextos e os “pretextos”
Os que crêem no “demônio devorador” utilizam como base para a existência desta heresia textos muito conhecido de todos, à saber, Malaquias 3.10-12 em paralelo com Joel 2.25-27:
Malaquias 3.10-12 – “Trazei todos os dízimos ao tesouro do templo, para que haja mantimento “na minha casa”, e provai-me nisto, diz o Senhor dos exércitos, e vede se não vos abrirei as janelas do céu e não derramarei sobre vós tantas bênçãos, que não conseguireis guardá-las. Por vossa causa também repreenderei “a praga devoradora” [ou o devorador – ARA], e ela [ou o devorador – ARA] não destruirá os frutos da vossa terra, nem as vossas videiras no campo perderão o seu fruto, diz o Senhor dos exércitos. E todas as nações vos chamarão bem aventuradas; pois a vossa terra será aprazível, diz o Senhor dos exércitos.” (Almeida Século 21)
Joel 2.25-27 – “Assim vos restituirei os anos consumidos pelo “gafanhoto” migrador, pelo assolador, pelo destruidor e pelo cortador, meu grande exército que enviei contra vós. Comereis à vontade e vos fartareis, e louvareis o nome do Senhor vosso Deus, que agiu em favor de vós de maneira maravilhosa; e o meu povo nunca será envergonhado. Vós sabereis que eu estou no meio de Israel e que eu sou o Senhor vosso Deus, e não há outro; e o meu povo nunca mais será envergonhado.” (Almeida Século 21)
Há pelo menos dez palavras hebraicas usadas nas Escrituras para se referir ao gafanhoto. Muitas são as suas espécies, mas com certeza o mais devastador de todos é o gafanhoto sírio. No oriente eles são preparados de várias maneiras como comida, e na própria lei mosaica, ele era considerado como comida limpa ou pura (Lv 11:22). Sabemos nas páginas do NT que João Batista comia gafanhoto e mel (Mt 3:4).
Este inseto devastador geralmente é capaz, até os dias atuais, de condenar toda uma região de plantio. Eles atuam em bandos numerosíssimos, e voam a mercê do vento, pois não controlam o próprio vôo. São tão numerosos que geralmente formam uma nuvem a ponto de obscurecerem a luz do sol quando atacam as plantações. Alguns textos bíblicos afirmam isso: Ex. 10:15; Jz 6:5; 7:12; Jr 46:23; Joel 2:10. Foi um destes ataques terríveis que varreram o Egito (Ex 10:1-9)
Muitas informações importantes como estas tecem o conjunto de declarações nas Escrituras Sagradas, e é por isso que antes de qualquer análise de texto, precisamos conferir em que contexto o profeta Malaquias surgiu no cenário de Israel? Malaquias surgiu num tempo em que imperava a frieza espiritual, a nação estava desmotivada e em profundo desânimo em relação a Deus e a prática religiosa. E por que? Vejamos o que diz Augustus Nicodemus Lopes, em seu excelente livro – O Culto Espiritual:
“Fazia cerca de 100 anos que os judeus tinham regressado do cativeiro. Deus havia mandado o povo de Israel para o exílio, por volta de 600 ou 500 a.C, em razão reiterada idolatria e falta de arrependimento. (…) Parte do povo foi para o Egito, outra se dispersou e muitos outros morreram. Durante 70 anos, o povo permaneceu cativo na Babilônia. Tempos depois Deus trouxe de volta [o povo] à terra prometida. Esse período está registrado nos livros de Esdras e Neemias, dois homens levantados por Deus para liderar o retorno da nação à terra prometida. Porém, nem todos regressaram; parte do povo ficou na Babilônia; outra permaneceu no Egito. Mas um grande contingente voltou para a terra de Israel… Quando regressaram, os judeus pensavam ter chegado o tempo do cumprimento das grandes promessas que os profetas de Israel haviam feito. Isaías, Ezequiel e Jeremias profetizaram um tempo maravilhoso para o povo de Deus após a restauração, e o povo acreditava que aquele seria o tempo em que essas promessas se cumpririam. Só que cem anos se passaram desde a volta do cativeiro, e as coisas não estavam acontecendo conforme a expectativa. Promessas tinham sido feitas, mas a realidade não estava de acordo com elas. (…) Por meio dos profetas o Senhor prometera uma grande restauração de seu povo na terra, mas somente parte dele retornou da Babilônia. Os profetas haviam mencionado um período de paz, mas eles ainda estavam cercados por inimigos”. (4)
É preciso notar que toda a dedicação relacionada com Deus havia se esvaído do coração das pessoas e consequentemente outros aspectos aconteceram na nação de Israel naqueles dias, como: o casamento com mulheres estrangeiras, cultos a deuses pagãos, injustiças sociais, rituais mecânicos e formais e sacerdócio corrompido. Naquele tempo cada um dava prioridade a seus assuntos pessoais. Ninguém estava preocupado com prestar um culto íntegro à Deus.
O profeta Joel, por sua vez aparece no cenário histórico de Israel em meio a uma profunda seca prolongada em Judá, durante o reinado de Joás. Entre os anos de 835-796 a.C. E nessa época, uma grande invasão de gafanhotos destruiu toda a plantação gerando uma grave crise econômica relacionada com o Reino do Sul. Esse desastre natural serviu como fundo da mensagem de Joel, como um “castigo” de Deus em virtude dos pecados dos sacerdotes e do povo (Joel 2:1-17). É por isso que o profeta convoca toda a nação para um sincero arrependimento, e por terem deixado de amar a Deus acima de todas as coisas.
Entendido um pouco os contextos históricos destes dois profetas, fica difícil afirmar que o “devorador” supracitado está relacionado com alguma casta demoníaca e que atua trazendo prejuízo na vida daquele que não dizima. O devorador (ARA, ARC) ou a praga devoradora (ALMEIDA Séc.XXI) ou as pragas (NVI) são apenas o que o texto dizem que são: um inseto da ordem das locustas ou gafanhotos.
De acordo com as Escrituras, Deus utilizou estes insetos para executar a sua disciplina sobre o seu povo que estava vivendo em pecado. A disciplina, por pior que nos pareça, é simplesmente o cuidado e o amor de Deus para com os seus filhos (veja Hb 12.4-14). Não há porque atrelar qualquer significado forçado ou “revelação extra” aos dois textos. Eles parecem deixar claro, que Deus usa a natureza e a criação para educar e trazer reflexão sobre o que o homem faz de sua vida. Neste caso, Deus usou um ataque literal de gafanhotos, insetos, e não demônios, para promover o arrependimento em Israel.
Uma afirmação categórica de Paulo, é que não devemos ir além do que está escrito (1Co 4:6). Em todas as 38 citações da palavra “gafanhotos” na bíblia, ela aparece apenas como um inseto. Em nenhum texto, poderíamos imaginar ou relacionar estes insetos com demônios. Inclusive a profecia de Malaquias 3:11, apenas reforça o que já havia sido dito por Moisés em Deuteronômio. Vejamos:
“Vocês semearão muito em sua terra, mas colherão bem pouco, porque gafanhotos devorarão quase tudo.” (Dt 28:38 – NVI)
“Os seus filhos e filhas não ficarão com vocês, porque serão levados para o cativeiro. Enxames de gafanhotos se apoderarão de todas as suas árvores e das plantações da sua terra. Os estrangeiros que vivem no meio de vocês progredirão cada vez mais, e cada vez mais vocês regredirão. Eles lhes emprestarão dinheiro, mas vocês não emprestarão a eles. Eles serão a cabeça, e vocês serão a cauda.” (Dt 28: 41-44 – NVI).
Evidentemente precisamos compreender que a nação de Israel era predominantemente agrícola, e que compreendiam a aliança com Deus (Antigo Testamento) em termos de obediência e desobediência da Lei. Caso a obediência vigorasse, eles compreendiam que poderiam viver períodos de paz com as nações vizinhas e boas e prósperas colheitas. Caso a desobediência prevalecesse então viriam guerras e escassez do fruto da terra. O gafanhoto era o instrumento de Deus que destruía naquela época a lavoura e tudo que era produzido pela terra, que era a base da economia de Israel. É por isso que Deus afirma em Malaquias: “Impedirei que pragas devorem suas colheitas, e as videiras nos campos não perderão o seu fruto”, diz o Senhor dos Exércitos.” (Ml 3:11 – NVI)
Deus portanto está tratando de um problema real, com insetos reais, e com conseqüências reais na vida diária de seu povo. Mas caso ainda forçássemos a possibilidade deste inseto ser mesmo um “demônio”, como explicar que Deus daria à um demônio a dura missão de fiscalizar as ofertas e dízimos dos cristãos?
Alguns expositores desta heresia ainda chegam a declarar que não é possível repreender o demônio devorador com oração, nem em nome de Jesus, pois apenas o dízimo tem este poder. Afirmam que quando dizimamos, Deus mesmo repreende o devorador da nossa vida financeira. Neste caso, parece que o sacrifício de Cristo se torna ineficiente.
Infelizmente em nossos dias é comum usar todo tipo de aparato místico para condicionar pessoas às promessas ou ameaças relacionado com finanças. E uma das heresias mais lucrativas no meio evangélico está relacionado com o “devorador”!
Estas heresias só ganham espaço em nosso meio, porque além de algumas pessoas serem ingênuas em relação aos textos bíblicos, muitos são verdadeiramente generosos e acabam virando presas fáceis na mão de líderes inescrupulosos, que transformam a “casa de oração” em covil de salteadores, incutindo medo e culpa na vida e no exercício da espiritualidade das pessoas.
Qualquer evocação de qualquer texto do Antigo Testamento para validar uma prática que seja obrigatória sobre a perspectiva de “castigo” ou maldição é um retrocesso na espiritualidade deixada por Cristo para nós. Pois somente Jesus foi capaz de cumprir TODA a Lei e por isso Ele estabeleceu uma NOVA aliança como afirma o escritor de Hebreus em todo o capítulo 8 do mesmo livro:
“O mais importante do que estamos tratando é que temos um sumo sacerdote como esse, o qual se assentou à direita do trono da Majestade nos céus e serve no santuário, no verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, e não o homem.
Todo sumo sacerdote é constituído para apresentar ofertas e sacrifícios, e por isso era necessário que também este tivesse algo a oferecer. Se ele estivesse na terra, nem seria sumo sacerdote, visto que já existem aqueles que apresentam as ofertas prescritas pela lei. Eles servem num santuário que é cópia e sombra daquele que está nos céus, já que Moisés foi avisado quando estava para construir o tabernáculo: “Tenha o cuidado de fazer tudo segundo o modelo que lhe foi mostrado no monte”.
Agora, porém, o ministério que Jesus recebeu é superior ao deles, assim como também a aliança da qual ele é mediador é superior à antiga, sendo baseada em promessas superiores. Pois se aquela primeira aliança fosse perfeita, não seria necessário procurar lugar para outra. Deus, porém, achou o povo em falta e disse: “Estão chegando os dias, declara o Senhor, quando farei uma nova aliança com a comunidade de Israel e com a comunidade de Judá.
Não será como a aliança que fiz com os seus antepassados quando os tomei pela mão para tirá-los do Egito; visto que eles não permaneceram fiéis à minha aliança, eu me afastei deles”, diz o Senhor.
Esta é a aliança que farei com a comunidade de Israel depois daqueles dias”, declara o Senhor. “Porei minhas leis em suas mentes e as escreverei em seus corações. Serei o Deus deles, e eles serão o meu povo. Ninguém mais ensinará ao seu próximo nem ao seu irmão, dizendo: ‘Conheça ao Senhor’, porque todos eles me conhecerão, desde o menor até o maior. Porque eu lhes perdoarei a maldade e não me lembrarei mais dos seus pecados. Chamando “nova” esta aliança, ele tornou antiquada a primeira; e o que se torna antiquado e envelhecido, está a ponto de desaparecer.” (Hb 8:1-13)
A Bíblia parece deixar claro que o processo da pregação da Palavra, primeiro se dirige ao entendimento da pessoa, mediante a clara exposição da verdade, e depois à sua consciência, isto é, a vontade dela responde em forma de decisão e fé. Como o apóstolo Paulo exorta em 2 Co 4:2. Vejamos:
“Antes, renunciamos aos procedimentos secretos e vergonhosos; não usamos de engano nem torcemos a palavra de Deus. Pelo contrário, mediante a clara exposição da verdade, recomendamo-nos à consciência de todos, diante de Deus.” (2Co 4:2)
Medo, culpa e ganância – A lógica do devorador
Vivemos em um mundo onde existem muitos cristãos sinceros, porém pobres e de vida simples, assim como ateus ricos e abastados. Esta simples constatação, comprova que a afirmação contemporânea que é feita nos púlpitos de muitas igrejas sobre o devorador se tratar de um demônio que afeta a área financeira das pessoas trata-se de uma forçada no texto, portanto, uma farsa teológica e exegética, tanto no livro de Joel, como em Malaquias. Não há nenhuma referência bíblica que afirma que o gafanhoto devorador trata-se de uma entidade espiritual, ou qualquer coisa parecida.
Em muitas igrejas há uma seletividade arbitrária em relação ao texto que pode ser utilizado ou não em relação as questões relacionadas com finanças. E esta é uma das razões porque o texto de Malaquias ou Joel é um dos preferidos para configurar a ameaça do devorador na vida dos incautos. Acontece que a lógica do Novo Testamento não está no medo e na ameaça, mas na Graça e na alegria de se poder contribuir sem maldições ou opressão, conforme Paulo declara aos Coríntios (2Co 8 e 9). Não damos por medo, mas com gratidão em nosso espírito e com alegria por estarmos satisfeitos em Deus.
Muitas vezes somos relapsos em relação a verdade bíblica. Não importa se você está lendo este livro ou qualquer outro artigo de um escritor ou teólogo renomado. Não devemos crer afoitamente em tudo que escrevem ou declaram. É necessário apontar versículos bíblicos e atentar para o contexto do capítulo, seus versículos anteriores e posteriores, isso nos dará uma boa base para o entendimento correto do que o versículo citado quer realmente dizer. Não podemos nos esquecer de que as Escrituras são a verdade, e de que ela é a nossa única regra de prática e fé, mesmo que a maioria de nós a tenha negligenciado.
O medo, a culpa e a ganância são os argumentos que patrocinam a heresia do devorador. Muitas retóricas insistem nesta lógica para manipular as emoções das pessoas e levá-las a dar, em muitos casos, até aquilo que não possuem. Ora o medo de não ser abençoado e ser alvo de maldição, ora a culpa de não dividir aquele dinheiro extra que ganhou ou da promoção que recebeu, ora a ganância de possuir cada vez mais e mais “coisas”.
Esta lógica do mercado é sustentada por “campanhas” intermináveis, com pessoas tentando comprar sua cura ou prosperidade mediante uma “oferta”, financiada durante sete ou doze cultos, ou de acordo com o “estoque” de criatividade do pastor local. De uma maneira ou de outra, estes argumentos são largamente utilizados para a exploração da fé e da sustentação de um mercado religioso, conforme brilhantemente explica em uma palestra sobre Religião e Espiritualidade o pastor batista, Ed Rene Kivitz.(5)
É necessário tomar cuidado com “verdades inéditas”, com revelações particulares, fruto de motivações escusas e manipuladoras. Tenho aprendido ao longo da jornada cristã que reflexões, ponderações, análises nunca foram e nunca serão demais na vida do ser humano. Paciência, momentos a sós, “ruminar” leituras e pensamentos são importantíssimos para aprendermos algo.
É de suma importância investir tempo em analisar, estudar, refletir e pensar mais um pouco, e tenho refletido sobre muitas coisas, em especial sobre a sã doutrina, sobre ensinos nos arraiais evangélicos, sobre teologias de toda a sorte. Incrível como os pregadores tem a capacidade de fazer adaptações de textos bíblicos pela necessidade de um momento ou circunstância. E o que me entristece profundamente é que, quem questiona a veracidade destas coisas é chamado de religioso, incrédulo e não tem fé. Parece haver aí uma inversão de valores.
É verdade que existem passagens bíblicas de difícil interpretação, e que requer de nós muito discernimento espiritual, intelectual e humildade. E é por isso mesmo que precisamos tratar com seriedade e com sobriedade estas interpretações, como nos adverte o Apóstolo Pedro;
“Tenham em mente que a paciência de nosso Senhor significa salvação, como também o nosso amado irmão Paulo lhes escreveu, com a sabedoria que Deus lhe deu. Ele escreve da mesma forma em todas as suas cartas, falando nelas destes assuntos. Suas cartas contêm algumas coisas difíceis de entender, as quais os ignorantes e instáveis torcem, como também o fazem com as demais Escrituras, para a própria destruição deles. Portanto, amados, sabendo disso, guardem-se para que não sejam levados pelo erro dos que não têm princípios morais, nem percam a sua firmeza e caiam. Cresçam, porém, na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, agora e para sempre! Amém.” (2Pe 3:15-18 – NVI)
Bibliografia utilizada
RODOVALHO, Robson. Por Trás das Bênçãos e Maldições (Brasília: Koinonia, 1995) pág. 2
Ibid -Pág. 32-35
Extraído da “Enciclopédia Histórico-Teológica da Bíblia”. Ed. Vida Nova. Verbete “dízimo”. A afirmação destacada merece consideração, pois os puritanos, representam o ápice do movimento reformado.
LOPES, Augustus Nicodemus. O Culto Espiritual, pág 11-12. (Editora Cultura Cristã – 2ª edição)
KIVITZ, Ed Rene. Palestra sobre Religião e Espiritualidade – http://youtu.be/3v7TZ_92Wlc (acessado dia 01/04/2014)
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