A PALAVRA DO DIA-Apocalipse 12-Apocalipse: livrinho doce e amargo de nosso presente despedaçado! É hora de recomeçar e esperançar! ! (Ap 10,8-11)


A literatura apocalíptica surgiu, entre os anos 200 a.E.C. a 200 E.C., para substituir o movimento profético. No profetismo bíblico, um profeta denuncia e anuncia um novo tempo. Na apocalíptica, a comunidade profetiza. Apocalíptica é uma profecia popular. Apocalipse não é um livro de medo e pavor, mas de esperança. João, escrevendo-o, por volta do ano 95 da E.C., na Ilha de Pátmos, na Grécia, recorda a perseguição do cruel imperador Domiciano (86-96 E.C) e alimenta a esperança de um novo tempo para os cristãos.

O contexto, portanto, era de perseguição aos cristãos (Ap 1,9), de martírio (2,13), de dificuldades para viver a fé (2,3-4). O imperador era visto, pelos cristãos, como uma Besta indomável e cruel (13,3.12.14). Por causa dos falsos líderes que se diziam cristãos (2,6.15) e da perseguição dos judeus (2,9; 3,9), o desânimo tomava conta das comunidades (2,2).

As tradições judaicas e cristãs escreveram outros apocalipses, como o de Enoc, de Moisés, de Baruc etc., os quais foram considerados apócrifos. Os cristãos reconheceram como inspirado somente o Apocalipse de João.

O conteúdo desses apocalipses judaicos e cristãos versa sobre as visões, revelações de viagens de personagens aos céus ou aos infernos, onde se encontram com anjos, com Deus, com as almas de mortos e até com o anticristo. Os apocalipses são difíceis de serem interpretados? Sim.

O Apocalipse de João tem como objetivo animar as comunidades, representadas pelas setes Igrejas da Ásia, às quais João escreve cartas, para não perderem a fé na volta de Jesus, que estava próxima.

O esquema literário do Apocalipse é o seguinte: Prólogo (1,1-8); Visão inaugural (1,9-20) sobre o Filho do homem; Mensagem às sete igrejas (2-3): Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia; Visões da história (4-11): liturgia no céu, livro selado, cordeiro, grande multidão, oração dos santos, sete anjos e sete trombetas; Conflito e julgamento (12-20): o dragão e a mulher, as duas feras, o cordeiro e os 144 mil eleitos, sete taças da ira e do julgamento de Deus, a cidade prostituída e seu julgamento final. Novo céu e nova terra (21–22,5): nova Jerusalém celeste; Epílogo (22,6-21) ele (Jesus) voltará! (Maranatá)

O grande desafio para ler o livro do Apocalipse é o de entender o significado dos símbolos na sua linguagem enigmática. A cor verde, por exemplo, não é sinal de esperança, mas de doença, peste e morte; Babilônia não é Babilônia, mas Roma etc. Na época da ditadura militar no Brasil (1964-1985), o recurso da linguagem apocalíptica foi usado por nossos músicos. Chico Buarque e Gilberto Gil, em 1973, compuseram: “Pai, afasta de mim esse cálice!”. [2]

Fazendo alusão à censura militar, que matava, torturava e calava (cale-se) vozes de resistência, eles uniram a Paixão de Cristo com o sofrimento da nação brasileira, ao escreverem, dentre outros versos, o seguinte:

Pai, afasta de mim esse cálice, Pai! De vinho tinto de sangue. Como beber dessa bebida amarga? Tragar a dor, engolir a labuta? Mesmo calada a boca resta o peito. Silêncio na cidade não se escuta.

Retomemos o texto apocalíptico que inspira a nossa reflexão, Ap 10,8-11, ressaltamos que ele faz parte, no corpo do livro, da visão da história. João se sente chamado a profetizar diante das nações. Para que isso aconteça, ele tem que comer um livrinho aberto. No capítulo 5 do Apocalipse, fala-se de livro selado, lacrado com sete chaves, o qual está nas mãos de Deus. Somente Cristo ressuscitado poderia abri-lo. Esse livrinho aberto do capítulo 10 representa a história, a qual já estava desvelada, passada a limpo. Todos sabiam o que estava acontecendo.

O desafio de João era o de interpretar os fatos da história. Isso vem dito no fato de que ele devia comer o livrinho para sentir o gosto amargo e doce do seu tempo presente. Comer e saciar-se de seu conteúdo, ainda que o sabor dele fosse amargo. Não bastava o doce entusiasmo da primeira hora do cristianismo, era preciso enfrentar as dificuldades advindas da besta romana, as amargas perseguições e os sofrimentos causados pelos romanos.

A profecia alimenta a esperança. Profetizar é nadar contra a maré, é mudar o rumo da boiada. É demonstrar que Deus, o Senhor da história, passou seu poder para Jesus. A ressurreição de Jesus é a prova de que Ele é o vencedor. Isso animou os cristãos da comunidade joanina e deve animar a todos nós, povo brasileiro, nesse tempo pós-eleição. Amargura e sofrimentos, em tempos difíceis, de rupturas nas famílias, na sociedade, na política e nas igrejas devem ser o ponto de partida para alimentar a profecia e a nossa esperança. Unamos nossas forças em prol de um de um mundo melhor, um Brasil melhor, sobretudo para os empobrecidos. Apocalipse é esperança. A nossa história e o nosso futuro foram desvelados, debatidos, discutidos à exaustão. Agora, é hora de recomeçar e esperançar! O resto é discussão inútil! Paz e bem!

[1]Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quinze. Youtube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos. https://www.youtube.com/channel/UCwbSE97jnR6jQwHRigX1KlQ

[2] CÁLICE. Intérpretes: Chico Buarque e Milton Nascimento. Rio de Janeiro: Polygram/Philips, 1978. 1 disco.

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Frei Jacir de Freitas Faria

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