SÃO GONÇALO DO AMARANTE RN-Despacho do juiz apresenta pouca carne podre e muito governo fétido
Por vinicius torres freire / Folha
HÁ POUCA CARNE podre no despacho do juiz que autorizou a Operação Carne Fraca. Não está lá a história da linguiça de papelão. Sim, há carne ruim, em frigorífico menor. Tem até lote podre de ervilhas na história.
Mas fica evidente que a fiscalização da comida no Paraná, em Goiás e em Minas Gerais, pelo menos, é um osso mole de roer, com subornos baratos. Um executivo de pelo menos um grande frigorífico organizava a mutreta.
Para que subornar fiscais, de superintendentes do ministério ao “zé mané”, se o objetivo não é passar comida ruim adiante? Também para isso, para que se faça vista grossa, supõe-se. Mas há pouca evidência direta de carne podre.
Há casos de tentativas de afastar fiscal decente. Há compra de normas, autorizações e “agilização” de processos.
Em suma, gente nomeada por políticos administra rede de fiscais com poder destrutivo para envenenar pessoas e causar prejuízos econômicos nacionais. Mas o caso lembra corrupções municipais, como o de fiscais de obras.
É o que se depreende das 305 páginas do despacho do juiz Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal de Curitiba.
A promessa de corrupção maior é a de doação de R$ 300 mil para a campanha de parlamentares padrinhos de um fiscal graduado corrupto. Há o caso verificado de apartamentos no nome de um ex-superintendente no Paraná. Há suspeitas de uns R$ 50 mil ali, R$ 20 mil aqui. Fiscais menos graduados também recebem dinheiro, mas não fica clara a quantia.
Muita vez, o suborno aparece na forma de lotes de asinha de frango, calabresa, presunto, alcatra, maminha e picanha. Um corrupto pede que comprem seu carro usado. Outro, que arrumem um teste para seu neto em um time de futebol de São Paulo.
Quem são esses? Gente que discute suborno nestes termos: “Vou comprar [calabresa], né, porque não compensa, né, Carlão, sair daqui pra pegar dois gomos de linguiça lá, gasolina tá [cara]…”.
Mas tem coisa muito grave e grande na Carne Fraca.
Pede-se ajuda a “parlamentares” para facilitar exportações pelo porto de Itajaí. Uma múlti brasileira paga a viagem de fiscais para que eles conheçam e certifiquem processo mais rápido de abate de aves. Fiscais pouco graduados discutem como reutilizar peru com salmonela, rejeitado na Europa.
Funcionários de grande frigorífico tentam “agilizar” o registro de certificação de granjas fornecedoras. Assim seriam certificados em laboratórios da empresa, escapando de laboratórios do Ministério da Agricultura, que poderiam flagrar salmonela em frangos e perus. Não se sabe o fim da história.
Funcionários de grandes frigoríficos, “campões nacionais”, agiam dentro de escritórios regionais do Ministério da Agricultura, com acesso a computadores e senhas para emissão de certificados sanitários. Por vezes, redigiam certificados de fiscalização, só assinados pelos fiscais.
Não há motivos para acreditar que tal bandalheira não se repita em outros Estados.
O que fazer? Blairo Maggi dizer quem são os políticos padrinhos dos superintendentes demitidos e dos que estão no cargo. Fazer devassa e dança das cadeiras na fiscalização. Auditoria com grande amostragem na carne dos frigoríficos “campeões nacionais”. E abatam-se cabeças.
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