GUAMARÉ RN-Era do algoritmo aumenta vigilância de governos sobre indivíduos
Era do algoritmo aumenta vigilância de governos sobre indivíduos
Jornal GGN – Na história da humanidade, cada era foi submetida a um princípio de organização. Na era atual, esse princípio está sendo baseado nos algoritmos computadorizados, pondera o professor Paulo César Castro da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ).
Em entrevista ao IHU, o docente se diz preocupado com a liberdade de exposição de pensamentos do indivíduo comum e, mais ainda, do risco que corre ao questionar alguma forma de vigilância posta em prática por governos e empresas, haja vista os casos Julian Assange e Edward Snowden, o primeiro refugiado na embaixada do Equador em Londres desde 2012, e o segundo na Rússia – os dois por denunciar mecanismos de controle e vigilância dos serviços de segurança dos Estados Unidos.
“Os algoritmos têm sido, para mim, umas das expressões máximas da lógica que estabelece hierarquias, recomenda o melhor e o pior, define valores e gostos, aponta caminhos e soluções e, por fim, redesenha muitos de nossos valores e vínculos sociais.”, avalia César Castro. Acompanhe a seguir a entrevista na íntegra.
O professor Paulo César Castro não quer se assumir pessimista, nem apocalíptico, conforme denominação de Umberto Eco, mas reconhece que as ações dos serviços de segurança dos Estados Unidos já denunciadas em episódios como os que envolvem Julian Assange (refugiado na embaixada do Equador em Londres desde 2012) e Edward Snowden (refugiado na Rússia) podem ser indícios para preocupações. “Parece que qualquer um de nós que denunciar o caráter totalitário dos governos através dessa forma moderna de vigilância vai pagar um preço bem alto”, teme.
Em entrevista por e-mail para a IHU On-Line, Castro afirma que, no século 20, com os computadores, “os algoritmos assumem uma especial proeminência, ainda que, muitas vezes, não nos demos conta deles”. Esse fenômeno se acentua nos dias de hoje por conta da internet. “Se cada era está submetida a algum princípio de organização, mais recentemente este princípio está essencialmente baseado nos algoritmos computadorizados.”
Os objetivos podem ser diferentes, mas Castro lembra que governos e corporações privadas “estão buscando saber cada vez mais sobre quem interage com as tecnologias digitais”. Por isso, defende que qualquer pessoa deve aprender como navegar em sites ou como usar quaisquer equipamentos digitais, assim como saber sobre o monitoramento que ela pode estar sendo submetida. “Ao mesmo tempo que deveríamos poder dizer se queremos ou não ser monitorados, também temos o direito de saber o que será feito efetivamente com os dados recolhidos a nosso respeito.”
Trata-se de um caminho sem volta. “Se o uso das tecnologias digitais já está inexoravelmente associado ao nosso dia a dia, inclusive como fator de inclusão social, não temos outra opção a não ser debater publicamente, nas redes sociais, nas ruas ou nos espaços formais da atuação política, o papel dos algoritmos”, defende.
Os algoritmos são elemento central neste sistema de vigilância das pessoas. “A lista seria inesgotável, pois não há quase nada na nossa interação com as tecnologias digitais, principalmente as baseadas na internet, que não seja acompanhada por algum, às vezes, insidioso algoritmo”, explica. “Os algoritmos têm sido, para mim, umas das expressões máximas da lógica que estabelece hierarquias, recomenda o melhor e o pior, define valores e gostos, aponta caminhos e soluções e, por fim, redesenha muitos de nossos valores e vínculos sociais.” E como eles são invisíveis, há pouco entendimento e crítica sobre eles.
Castro afirma que é preciso debater sobre os algoritmos e suas lógicas para se ter sobre eles uma olhar crítico, o que não significa demonizar a internet. “Representa a realização do saudável exercício da democracia em um espaço que vem se configurando como tão importante e vital para nossa existência.”
Paulo César Castro é professor associado da Escola de Comunicação (ECO) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde coordenou o curso de Produção Editorial e chefiou o Departamento de Expressão e Linguagens (DEL). Na ECO/UFRJ, obteve seu mestrado e doutorado, ambos em Comunicação e Cultura. A graduação, em Jornalismo, foi realizada na Universidade Federal do Ceará (UFC).
Atualmente coordena o Programa de Educação Tutorial (PET) da ECO e também o Projeto de Extensão “Editor em Ação”, a partir do qual é realizado anualmente o evento de mesmo nome do curso de Produção Editorial. Compõe a diretoria do Centro Internacional de Semiótica e Comunicação (CISECO).
É um dos responsáveis pela organização dos três últimos livros lançados pelo CISECO, em parceria com a Edufal, a partir das conferências de pesquisadores brasileiros e estrangeiros apresentadas no evento anual Pentálogo. É membro dos grupos de pesquisa “Midiatização das Práticas Sociais” (Unisinos), “Políticas e Economia da Informação e da Comunicação – PEIC” (ECO/UFRJ) e “Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária – LECC” (ECO/UFRJ). Dedica-se a pesquisas nas áreas de semiótica, comunicação, midiatização, internet, redes sociais, jornalismo e produção editorial.
A entrevista foi publicada revista IHU On-Line, N°. 495, de 16-10-2016.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que são algoritmos e de que maneira eles estão presentes na vida das pessoas?
Paulo César Castro – Respondendo de modo bem simples, algoritmos são séries de instruções para resolver um problema. E este problema pode ser também uma atividade bem simples, como ensinar a um amigo a chegar à nossa casa a partir do aeroporto. Se ele, por exemplo, for fazer o trajeto através de um “algoritmo” de transporte público, precisaremos dar as instruções sobre qual ônibus deverá apanhar no aeroporto, onde descerá para pegar o metrô, em qual estação desembarcará e depois quais ruas e quantos quarteirões precisará andar até a nossa casa. Sendo assim, a lógica dos algoritmos está presente em nossas vidas nas atividades mais banais do nosso dia a dia. Mas é claro que é no século 20, com os computadores, e mais ainda com a internet nos dias de hoje, que os algoritmos assumem uma especial proeminência, ainda que, muitas vezes, não nos demos conta deles.
Os problemas passaram a ser resolvidos em escalas muito maiores, e em tempos infinitamente muito mais curtos, principalmente a partir da capacidade das máquinas de executarem repetidamente operações de menor ou maior complexidade. Como as tecnologias digitais assumiram uma dimensão fundamental na nossa existência contemporânea, concernente ao conceito de bios midiático de Muniz Sodré [1], e em grande parte suas lógicas têm sido regidas pelos algoritmos, eles estão presentes nas nossas vidas de uma forma mais espraiada do que a maioria das pessoas sequer imagina.
Os algoritmos estão por trás de uma, aparentemente banal, pesquisa no Google, dos anúncios publicitários que estão sempre a nos espreitar em qualquer página que visitamos, da forma como nossa time line no Facebook é organizada, da lista de filmes que o Netflix nos exibe assim que ligamos a televisão. Se podem ter sua aplicação tão costumeiramente associada à escolha das ações nas quais investir, podem também ser os responsáveis pela “lógica” das ações policiais em uma cidade, pelos métodos de triagem de “suspeitos” na fila de um aeroporto, pela escolha de alguém, numa lista de candidatos, para ocupar uma vaga de emprego, pelas pessoas que são indicadas umas às outras num site de relacionamentos, pelos valores dos seguros, baseados na forma como os motoristas dirigem. A lista seria inesgotável, pois não há quase nada na nossa interação com as tecnologias digitais, principalmente as baseadas na internet, que não seja acompanhada por algum, às vezes, insidioso algoritmo.
IHU On-Line – O senhor tem usado a expressão era do algoritmo. Conceitue-a, por favor.
Paulo César Castro – O uso massivo da internet em escala global tem instituído – aproveitando ainda o conceito de bios midiático – outra ambiência, e é através dela que temos, cada vez mais, redefinido nossas formas de vínculo social. Nesse novo modo de sociabilidade, que Muniz Sodré elabora a partir da visão tríade de Aristóteles [2] sobre os gêneros de existência na polis (o do conhecimento, o dos prazeres e o da sociabilidade política), os algoritmos têm sido, para mim, umas das expressões máximas da lógica que estabelece hierarquias, recomenda o melhor e o pior, define valores e gostos, aponta caminhos e soluções e, por fim, redesenha muitos de nossos valores e vínculos sociais. Se as mídias tradicionais, ainda que não sejam as únicas, ainda desempenham um papel significativo como classificadores dos sentidos, baseadas nos fundamentos “algorítmicos” dos gatekeepers [3], dos editores, dos curadores, esse trabalho passa cada vez mais a ser dividido com o nexo algorítmico das máquinas. Se cada era está submetida a algum princípio de organização, mais recentemente este princípio está essencialmente baseado nos algoritmos computadorizados, como aponta o escritor das áreas de tecnologia e cultura Navneet Alang.
Ele, aliás, defende que o século 19 teve o romance como seu princípio organizador, enquanto o século 20 teve a televisão. Como nos últimos tempos a mutação tecnológica é muito mais rápida, Alang considera que o site foi o princípio por trás da web 1.0, e, pouco tempo depois, com a web 2.0, este mudou para os aplicativos. Os dispositivos que ele indica para cada era podem até ser questionáveis, mas pelo menos todos têm em comum o pertencimento ao campo das mídias.
Evidentemente que não assumo como minha a formulação da expressão “era dos algoritmos”, mas, se a uso, é porque acredito na importância que eles crescentemente têm tido para a sistematização de visões de mundo (reiterando-as ou propondo outras). Mas o mais problemático é que, por serem elaborados com técnicas computacionais/matemáticas, levam à crença de que estão isentos de qualquer subjetividade. E por causa de sua invisibilidade – pois, no geral, agem silenciosamente entre uma interação e outra do usuário com as tecnologias digitais, sem serem devidamente anunciados -, muito pouco ainda têm sido submetidos a escrutínio, avaliação ou crítica.
Minha impressão é que as escabrosas revelações feitas por Julian Assange [4], do Wikileaks, e por Edward Snowden [5] ainda não foram suficientes para despertar devidamente na sociedade uma ampla discussão sobre os meios que vêm sendo usados para monitorar todas as nossas ações no ambiente da internet.
IHU On-Line – Do que se trata a lógica midiatizante dos algoritmos, tema já explorado pelo senhor em suas reflexões?
Paulo César Castro – O algoritmo funciona sobre o seguinte princípio básico: input > processamento > output. Após a entrada de algumas informações básicas em um dispositivo, elas são processadas segundo um algoritmo que, ao final, apresenta um resultado como saída. Uma operação matemática com uma calculadora pode representar um exemplo bem simples de aplicação do algoritmo. Com a internet, os inputs têm sido dados pelos próprios usuários a partir de suas interações com diferentes dispositivos conectados à internet, seja de modo deliberado ou, muitas vezes, sem que sequer tenha consciência desse ato. Os registros dessas ações são então armazenados em imensos reservatórios (chamados de Big Data) e processados segundo as lógicas algorítmicas internas a cada dispositivo ou tecnologia, pertencentes a governos, empresas, instituições não governamentais e até a pessoas físicas.
O output, em cada situação, depende dessas entradas e dos modos como foram programados os seus processamentos. Sendo assim, a experiência do usuário com as tecnologias, de acordo com o que lhe é recomendado como ordem, valor, classificação, sistematização etc., e até mesmo pelo que deixa de ser recomendado, é baseado no processo midiatizante que têm os algoritmos como lógica. Não se trata aqui de considerar esse usuário como um mero receptor passivo e indefeso diante dos outputs que lhe são dirigidos, pois ele pode reagir sob as mais diferentes estratégias aos encantos dos algoritmos e de suas instituições proprietárias, mas isso não significa que, diante da importância dos discursos que vêm sendo formulados a partir dessa nova ambiência, o debate não deva ser feito. Aliás, já está mais do que na hora.
IHU On-Line – O limite entre esfera pública e esfera privada está cada vez mais esmaecido?
Continue lendo…
Descubra mais sobre Blog do Levany Júnior
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
Comentários com Facebook