SÃO GONÇALO DO AMARANTE RN-HQ mostra racismo e desigualdade entre patroas e empregadas na pandemia de Covid-19


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Quadrinhos apontam racismo e desigualdade durante pandemia da Covid-19 (Foto: Reprodução/ Instagram)
Quadrinhos apontam racismo e desigualdade durante pandemia da Covid-19 (Foto: Reprodução/ Instagram)

“Uma influenciadora fitness, good vibes, que vê o lado positivo das coisas e cheia de frases motivacionais”. Você já deve ter se deparado com um perfil desses em suas redes sociais e é essa a personagem da série de quadrinhos Confinada, da roteirista Triscila Oliveira e do roteirista e quadrinista Leandro Assis.

Nas tirinhas, publicados no perfil do Instagram de Leandro Assis, a influenciadora ganha o nome de Fran e suas atividades do cotidiano, em casa, com as empregadas domésticas, apontam o racismo e a desigualdade social enfrentadas por essas trabalhadoras em meio à pandemia do novo coronavírus, a Covid-19.

De acordo com uma pesquisa feita em abril pelo Instituto Locomotiva, 45% dos empregadores de domésticas diaristas das classes A e B abriram mão do serviço dessas profissionais, sem, no entanto, manter o pagamento das diárias. Ainda segundo o levantamento, outros 23% dos empregadores e empregadoras de diaristas e 39% dos patrões de mensalistas afirmaram que suas funcionárias continuam trabalhando mesmo durante o período de isolamento.

Esse é caso, por exemplo, de Mirtes Renata Santana de Souza, mãe de Miguel Otávio Santana da Silva, que morreu no último dia 2 de junho, aos 5 anos, após cair do 9 andar de um prédio de luxo em Recife, capital de Pernambuco. O menino despencou de uma altura de 35 metros, depois de ser deixado sozinho no elevador pela patroa de sua mãe, Sari Gaspar Côrte Real, que cuidava do garoto enquanto Mirtes passeava com os cachorros da família. Sari foi presa em flagrante por homicídio culposo, pagou fiança de R$ 20 mil reais e responde ao processo em liberdade. A repercussão da tragédia comoveu o país e levou a manifestações contra o racismo estrutural em Recife, em frente ao prédio onde Sari mora com o marido, Sérgio Hacker, e também foi lembrado em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, no último fim de semana, durante protestos pela democracia e contra o racismo, inspirados pelo movimento norte-americano Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).

Na HQ, as trabalhadoras-protagonistas são Dinah, Marli e Ju. Em uma das tirinhas, elas dizem à patroa, Fran, que precisam “fazer quarentena e cuidar das famílias”. Duas delas são liberadas, mas tem o salário reduzido em 50%.


“Essa é a minha história e de milhares de famílias pretas no Brasil”, diz Triscila em entrevista à Marie Claire. A parceria entre a cyberativista e Leandro começou pelas redes sociais: “Deixei meu relato pessoal em um comentário numa tirinha do Leandro, que me chamou para conversar e estruturar o local de fala das mulheres negras nos Santos [outra série produzida pela dupla, sobre a vida em família de empregadas doméstica pré-pandemia], e eu topei. A inspiração para as personagens vem de nossas vivências, acompanhando várias ‘confinadas’ por ai”, explica Triscila.

Ilustrador há poucos anos, Leandro diz que, com suas tirinhas, queria retratar as relações da classe média e alta da Zona Sul do Rio de Janeiro com o lazer, os amigos e os empregados. “É um grupo específico de eleitores do [presidente Jair] Bolsonaro”, descreve Leandro. “Nas primeiras tiras que desenhei, percebi que a relação mais interessante é a dos patrões com as empregadas domésticas. Por meio delas, trato da desigualdade racial, das injustiça, do racismo, do classismo e da alienação. A medida em que fui me aprofundando nessa relação entre a família de brancos da elite e a família de empregadas domésticas que atende a eles, senti a necessidade de ter alguém com mais propriedade para falar sobre a vida delas na série”, conta. É aí que entra Triscila.

“É muito importante abordar de forma lúdica, em quadrinhos, pois estamos vivendo um período muito volátil, com uma sociedade fragmentada. De um lado, há um grupo de pessoas consideradas superiores devido à cor de sua pele. Do outro, está o restante da população, que luta por direitos básicos. É necessário sempre lembrar dessa relação”, acredita Triscila.


Os temas abordados nas HQs de Triscila e Leandro refletem o momento de isolamento, provocado pela pandemia. “Recebo muitos comentários e relatos de empregadas domésticas confirmando as histórias que escrevemos em Confinada”, conta Leandro. Nos comentários das tirinhas, internautas associam as histórias com casos que repercutiram na mídia, como a morte do menino Miguel.

“A resposta do público tem sido surpreendente. Em questão de meses, o perfil do Leandro ganhou meio milhão de seguidores. É impressionante como, desenhado, as pessoas conseguiram absorver histórias sobre gênero e raça, mas, principalmente, raça”, diz Triscila.

Na série Confinada, aparecem tanto exageros quanto sutilezas da desigualdade e a possibilidade de isolamento social entre as classes sociais. “Mostramos a Fran, que pode fazer seu confinamento dentro de um apartamento gigantesco, com comodidades e luxo e ostentando esse estilo de vida na internet”, descreve Leandro. “É uma forma didática de apresentar a injustiça no Brasil: uma parcela da população, a elite alienada, não abre mão de seus privilégios”, diz ele.

O quadrinista repensou seus próprios privilégios ao lembrar das casas em que viveu, de familiares e amigos com empregadas domésticas, e como se relacionava com elas. “Meu objetivo é mostrar os malefícios da branquitude, como a maioria dos brancos e de elite prejudicam o país e grande parte da população nem percebe”, diz Leandro.

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