SÃO GONÇALO DO AMARANTE RN-Casos de violência eleitoral são registrados no RN; sociológo e advogado analisam cenário


Crédito da foto: IlustraçãoEm todo o país são notificados casos de violência motivada por aspectos político-ideológicos

Fábio Vale/Da Redação

A sete dias do segundo turno da votação para presidente da República do Brasil e para governador do Rio Grande do Norte, a violência neste período eleitoral motivada por aspectos político-ideológicos ainda é uma questão que tem preocupado bastante a sociedade. Em todo o país, são recorrentes relatos de provocações, ameaças, agressões verbais, morais e até físicas envolvendo o processo eleitoral em andamento.

No Rio Grande do Norte, o cenário também é preocupante. Nos últimos dias, três casos de intolerância ligada a questões político-ideológicas ocorridos no estado ganharam ampla repercussão nas redes sociais. O primeiro envolveu o professor Ângelo Gurgel, em Mossoró.

“A então tu é uma bichona né falta polco pra acabar com vocês danada desgraçada” (sic). Essa foi a mensagem publicada por um usuário do Facebook identificado como “Alexandre Neide”, e que expõe no perfil ser eleitor do candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL), em uma postagem do docente na conta pessoal dele na rede social.

“Cuidado pra não ser picotada em, presta atenção com quem tá falando, me conhece não viadinho cuidado vão Pára por aqui” (sic), escreveu o internauta em outra publicação.

Ângelo Gurgel, que é eleitor declarado do candidato à presidência Fernando Haddad (PT), respondeu ao comentário, informando que iria adotar as providências legais ao levar, o que ele classificou como “ameaça de morte”, ao conhecimento de advogados. O outro caso aconteceu em Natal já nesta semana. Através de postagem nas redes sociais, a jornalista Ângela Bezerra denunciou que o filho dela foi alvo de intolerância ao se apresentar ao Exército Brasileiro.

Por meio de publicação no Facebook, a jornalista contou que o filho dela foi se apresentar no 17° Grupo de Artilharia de Campanha (GAC) na capital potiguar na companhia de um amigo. Ângela Bezerra relatou que, após o filho dela fazer exame médico e exercício de flexão, um tenente se dirigiu ao jovem e questionou por que ele não queria servir ao Exército. O jovem respondeu que a prioridade era fazer faculdade.

Segundo a jornalista, o tenente teria se irritado e elevado ainda mais o tom de voz e ainda dado um soco no peito do jovem e o chamado de “maconheirozinho safado tatuado”. Ainda de acordo com a jornalista, o contato do oficial com o amigo do filho dela também não foi diferente. Ângela Bezerra relata que o tenente teria esbravejado para ele que o candidato dele não iria ganhar e que quem venceria seria Bolsonaro.

O relato dá conta também que, diante da negativa do jovem em não querer servir, o oficial também o teria chamado de “maconheiro safado” e reafirmado que Bolsonaro ganharia as eleições. A jornalista informou na postagem que repassou o caso ao Exército Brasileiro e ao Ministério Público. “Essa luta não é só pelo meu filho e pelo amigo dele. É em nome do respeito às diferenças, dos direitos, da democracia”, ressaltou Ângela Bezerra.

‘A gente vê os casos na rua, mas nunca espera ser vítima’, diz universitário alvo de ataque

O terceiro caso de intolerância também se deu em Mossoró e teve como vítima um jovem universitário. Ele também utilizou as redes sociais para expor o caso. Por meio de vídeos de curta duração publicados na função stories no Instagram, em que o conteúdo fica disponível por 24 horas, o estudante Elanio Araújo, do curso de Pedagogia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), denunciou o ataque gratuito sofrido por ele e o namorado durante o final de semana passado.

Nas postagens, Elanio Araújo contou que o caso aconteceu no último domingo (14), quando ele estava em frente ao Instituto Federal de Educação Tecnológica (IFRN) no bairro Costa e Silva (zona leste de Mossoró). O jovem relatou que estava no local vendendo água mineral para ajudar na formatura na companhia de outros estudantes e do namorado dele, que também é universitário.

“Eu abracei ele e disse obrigado por estar aqui comigo. Gente, um simples abraço foi suficiente para um eleitor de Bolsonaro parar. Ele simplesmente parou, puxou o revólver e disse: ‘Que viadagem é essa aí? Vamo parando!’”, detalhou Elano nas postagens, contando que ele e o namorado ficaram em estado de choque diante daquela situação até então inesperada.

“Ele puxou a arma e disse: ‘Eu sou policial!’”, acrescentou o estudante dando continuidade ao relato do ocorrido bastante emocionado e lembrando que o agressor também teria dito que eles deveriam demonstrar carinho em um local fechado. “Não temos mais nem o direito de existir, de demonstrar afeto. Gente, o que eu sou, não diz respeito a ninguém. Isso não interfere em nada na sua vida”, disse o jovem ainda no vídeo, em tom de desabafo.

Elanio Araújo ressaltou ainda que comparsas do agressor ainda teriam ficado rondando nas proximidades do local, como forma de intimidar e ameaçá-lo. “A gente sempre vê os casos na rua e espera que vá acontecer com outra pessoa. Mas, que você vai ser vítima, você não espera”, concluiu.

Sociólogo compara cenário atual à época do nazismo

“A violência que se exacerba a cada dia, que afeta negros, mulheres e homossexuais, além de opositores políticos, é tão familiar ao que aconteceu na ascensão do III Reich Nazista na derrubada da Alemanha em 1933, que assusta até os mais céticos observadores. Estamos diante da barbárie que levou, lá na Alemanha, à morte de milhões de minorias e opositores.”

Essa é parte da análise do sociólogo, mestre e doutor em Ciências Sociais Thadeu de Sousa Brandão sobre o atual cenário de violência eleitoral no país. Ele ressalta que o fato de que o candidato que está até então à frente das pesquisas continuar a não se responsabilizar pela violência perpetrada pelos que dizem ser seus eleitores e apoiadores é sinal de que mais violência deverá ser esperada.

Para Brandão, que é professor da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA) e coordenador acadêmico do Observatório da Violência (OBVIO/RN), sem as garantias constitucionais e o Estado de Direito, que deveriam permitir a livre manifestação e opinião, a liberdade de ir e vir, a individualidade e a existência das pessoas, a banalidade do mal está às nossas portas.

“Eu mesmo fui ameaçado reiteradas vezes na rua (numa fila de banco) e nas redes sociais por ‘seguidores’ do dito candidato”, relata ele, em forma de depoimento. “Com o silêncio do Judiciário, das instituições e da sociedade, estamos prontos para regredir décadas. Gays, mulheres, pessoas que pensam diferente agora são paulatinamente ameaçadas”, critica.

“Por pessoas que se dizem de direita? Não. Por bandidos e psicopatas travestidos de eleitores do candidato majoritário. O ranço contra a ideia de que cidadãos possam coexistir na diferença, a homofobia e a misoginia, a raiva da democracia se estruturam nas ações de ódio que, ao meu ver, só vão piorar”, pondera o sociólogo.

“Nossa democracia, tão jovem e imperfeita, está sendo assassinada. Com ela, nossas esperanças de um futuro menos desigual, injusto e opressor. Mais violência virá, agora com a concordância absoluta da mídia, das instituições e de parcela da sociedade que agora não tem mais vergonha de destilar seu ódio. O mal se banalizou e deu sua cara à vista, para parafrasear Hannah Arendt”, finaliza.

Instituições repudiam casos de intolerância e agressão

No decorrer desta semana, diversas instituições manifestaram repúdio a casos de intolerância e agressão. Através de uma nota, o Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) afirmou que tornava público o posicionamento da entidade em defesa das diferenças e direitos de expressão garantidos pela democracia, “diante de casos de agressão sofridos por cidadãos de todo país, inclusive da instituição, devido ao momento político-eleitoral”.

O instituto lembrou ainda na nota que casos de intolerância também foram citados pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e lamentou “os casos de violência física e moral sofridos por qualquer cidadão”. A Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA) também divulgou nota reafirmando irrestrito apreço pelo Estado Democrático de Direito e “repudiando com veemência toda e qualquer incitação à violência, à cultura do ódio, à intolerância e ao constrangimento que ameace o debate e a discussão pacífica e necessária à livre manifestação do pensamento, das liberdades individuais e políticas, princípios fundamentais para a Democracia”.

No mesmo sentido, a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) também reiterou o papel da universidade como espaço de livre pensamento, pluralidade de ideias e exercício diário da democracia e repudiou “qualquer tipo de ação de autoritarismo, intolerância, preconceito, constrangimento e violência física e moral, como algumas que têm ocorrido pelo país, inclusive no interior das universidades, em meio ao período eleitoral”.

A Uern afirmou também que “atuará de todas as formas possíveis para garantir a proteção à sua comunidade acadêmica, no exercício da liberdade de opinião, e no respeito às liberdades políticas e individuais, assim como na apuração e punição a quem venha infringir esses preceitos fundamentais”. E o Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH) Marcos Dionísio, da UFRN, também repudiou “atos de agressão sofridos por estudantes da UFRN e do IFRN, vítimas de violência com características fascistas”.

A entidade lembrou que “no intervalo de dois dias, foram identificados pelo menos três casos de espancamento de estudantes, um deles no espaço da UFRN”. O CRDH afirmou que “tais situações mostram a gravidade do momento delicado que vivenciamos com a violência sendo externada sem nenhum constrangimento” e disse que tem acompanhado atentamente os casos de violência e intolerância ocorridos no estado.

O conselho orientou ainda que as vítimas devem adotar medidas, como registrar boletim de ocorrência (BO); fazer exame de corpo de delito, se preciso; e acionar devidas autoridades como advogado(a), Defensoria Pública, Ministério Público e com a própria entidade, através dos telefones 3342-2243 e 99229-6616.

Advogado defende que acirramento político não deve se sobrepor a garantias e direitos fundamentais

Dentro de um período de dez dias, foram registrados em todo o país pelo menos 50 ataques de supostos apoiadores do candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL). O levantamento inédito feito pela Agência de Jornalismo Investigativo Pública mapeou casos ocorridos em meio ao acirramento da violência eleitoral entre os dias 30 de setembro e 10 de outubro de 2018 e registrou ainda seis agressões e ameaças contra eleitores de Bolsonaro e outras 15 situações consideradas indefinidas.

Diante desse quadro, a reportagem consultou o advogado Luiz Diógenes de Sales com o fim de obter um posicionamento jurídico sobre o assunto. Em contato através de e-mail, ele defendeu que o acirramento político não deve se sobrepor a garantias e direitos fundamentais. Para ele, a dignidade da pessoa humana não deve ser ferida em nenhuma hipótese sob pretextos que violem o estado democrático de direito.

Luiz Diógenes lembrou que em anos eleitorais, dentro da Democracia, é comum os ânimos se acirrar devido às diferentes ideologias propagadas pelos partidos e alertou que esses embates não deveriam passar da exposição de ideias opostas. “No entanto, enfrentamos cada vez mais o ódio propagado pelas redes sociais e que se exteriorizam nas ruas e em todos os âmbitos sociais”, frisou o advogado.

Citando o artigo 5° da Constituição de 1988 que trata de garantias, como a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à igualdade, o advogado avalia que “é preciso percebermos que a diferença é a célula mater do estado democrático de direito”. “Nesse sentido, cenas de violências vividas nas eleições de 2018, inclusive na nossa cidade de Mossoró e região, nos devem levar à reflexão de que, apesar das diferenças, fazemos parte de um todo que é o Brasil; não podemos deixar que as garantias e os direitos fundamentais sejam feridos dentro do maior espetáculo da democracia que é o sufrágio universal, ou seja, o voto.”

Luiz Diógenes assevera que o cidadão deve votar de acordo com suas convicções, respeitando o modo diferente do outro escolher, “porque nossa maior bandeira deve ser a democracia, e esta somente será eficiente à medida que o eleitor se respeitar mutuamente, guardando os princípios constitucionais de liberdade, igualdade e fraternidade”.

O advogado pontua que não é a eleição o fim último do estado, nem tampouco o candidato a ser eleito, e defende que “o cidadão deve sempre lutar em prol da dignidade da pessoa humana, que não deve ser ferida em nenhuma hipótese sob pretextos que violem o estado democrático de direito”.

 

INVESTIGAÇÃO

A Polícia Civil do Rio Grande do Norte informou nesta semana que investiga a origem de mensagens trocadas por membros de um grupo no aplicativo WhatsApp em que eleitores planejam e fazem apologia a atos de violência contra eleitores adversários. A corporação disse que um delegado foi designado em caráter especial para apurar a denúncia e que aguarda a conclusão das investigações para responsabilizar os culpados.

O caso também é acompanhado pelo Ministério Público Eleitoral. O órgão informou que instaurou procedimento para analisar as denúncias quanto ao suposto grupo de WhatsApp “Opressores RN 17”, no qual teriam sido feitas ameaças de morte, estupro e outros tipos de violência a eleitores contrários, por meio da possível organização de um grupo armado.

A reportagem encaminhou um e-mail para a Secretaria Estadual de Segurança Pública (SESED) com o fim de obter uma posição sobre o assunto, mas a assessoria de imprensa da pasta se limitou a informar que casos desse tipo de violência não estavam sendo registrados pelo setor da secretaria que notifica as informações estatísticas e análises criminais, mas apenas pelas delegacias locais onde acontecem o fato, e pediu para procurar a assessoria da Polícia Civil. A reportagem seguiu a orientação da Sesed, mas não obteve um retorno até o fechamento desta matéria.

Reportagem publicada na edição impressa do JORNAL DE FATO deste domingo (21).

 

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