PENDÊNCIAS RN-Mudança de regras de criação de camarão pode afetar manguezais


Plano de Ação Nacional (PAN) teve revogado um item que previa ações para a erradicação de carcinicultura (criação de camarão em cativeiro) e a recuperação dos sistemas já afetados. A maior parte dessas fazendas de camarão está justamente no Rio Grande do Norte e no Ceará, alguns dos estados mais afetados pelas manchas de óleo

novembro 5, 2019 às 09:52 – Por: Agência Estado

Bombeiros militares fazem limpeza e monitoramento de praias do Litoral Norte da Bahia. Foto: Elói Corrêa/GOVBA

Bombeiros militares fazem limpeza e monitoramento de praias do Litoral Norte da Bahia. Foto: Elói Corrêa/GOVBA

No momento crítico que os manguezais estão passando, em meio ao derramamento de óleo no Nordeste, o governo federal fez uma alteração em um plano de proteção que pode vir a fragilizá-los ainda mais. À revelia de pareceres contrários de seu corpo técnico, o presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) publicou no dia 30 de outubro uma alteração no Plano de Ação Nacional (PAN), revogando um item que previa ações para a erradicação de carcinicultura (criação de camarão em cativeiro) e a recuperação dos sistemas já afetados.

Leia também:
“Pior ainda está por vir”, diz Bolsonaro sobre manchas de óleo
Nordeste tem quatro mil toneladas de óleo retiradas das praias
Delta Tankers diz que não há evidências de que navio vazou petróleo
Fragmentos de óleo são recolhidos na região de Abrolhos, diz Marinha
Vazamento pode não ser apenas de navio grego, diz pesquisador
PF mira navio grego por derramamento de óleo no litoral
Bouboulina é navio grego suspeito de vazar óleo que atingiu o NE
Navio de bandeira grega despejou óleo que atingiu NE, identifica PF

A mudança foi feita após pedido do secretário da Pesca, Jorge Seif Júnior – o mesmo que afirmou na quinta-feira que os peixes são inteligentes e fogem quando veem óleo e, por isso, não haveria problema em comer pescado no Nordeste. A secretaria é ligada ao Ministério da Agricultura.

De acordo com o ICMBio, os PANs são instrumentos de políticas públicas que identificam e orientam ações prioritárias para combater as ameaças que põem em risco populações de espécies e os ambientes naturais.

Existem PANs para mais de 60% das espécies brasileiras ameaçadas de extinção. O dos manguezais foi o primeiro a contemplar todo um ecossistema. Cada PAN conta com um grupo de assessoramento técnico (GAT), mas todos foram extintos no começo deste ano quando o presidente Jair Bolsonaro decretou um “revogaço”. Por isso, precisaram ser reeditados.

Criado em janeiro de 2015, o PAN Manguezal tinha vigência até janeiro do ano que vem. Ele foi republicado por meio de portaria do ICMBio no dia 10 de setembro, nos mesmos termos da versão original. Logo na sequência, conforme apurou o jornal O Estado de S. Paulo, Seif Júnior entrou em contato com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pedindo a revogação do objetivo 9 do PAN – justamente o que estabelecia ações contra a carcinicultura. No dia 16, ele enviou um ofício formal ao presidente do ICMBio, Homero de Giorge Cerqueira, alegando que o item contraria o Código Florestal.

A lei, reformulada em 2012, considera manguezais como áreas de preservação permanente, mas permite cultivos no chamado apicum, um trecho mais seco e sem árvores. O Estado teve acesso a toda a documentação do processo interno dentro do ICMBio. Houve várias manifestações técnicas das coordenações responsáveis a favor do objetivo 9 e até mesmo um parecer jurídico da Procuradoria Federal especializada.

Explicação

A carcinicultura, explica a oceanógrafa Yara Schaeffer-Novelli, professora sênior da USP, é considerada danosa para o sensível ambiente dos manguezais, que servem de berçário para diversas espécies, além de serem fonte econômica para diversas comunidades de pescadores e marisqueiras.

Yara fez parte do GAT até o começo deste ano, quando foi extinto. Ela estava fazendo justamente um estudo sobre impacto da carcinicultura nos manguezais. “A exclusão desse item acaba fazendo com que esses resultados acabem sendo jogados para debaixo do tapete.”

Segundo ela, um dos problemas é que os manguezais são ecossistemas de usos múltiplos. “A carcinicultura acaba tirando isso. Além disso, é introduzida uma espécie exótica naquele ambiente e os despejos da água dos tanques, com alimentação dos camarões, com antibióticos, vão parar no estuário”, explica Yara.

A pesquisadora lembra ainda que a maior parte dessas fazendas de camarão está justamente no Rio Grande do Norte e no Ceará, alguns dos estados mais afetados pelas manchas de óleo. Ela pondera também que, apesar da permissão do Código Florestal, boa parte do cultivo é ilegal e escapa dos apicuns, atingindo outras áreas dos manguezais. O ICMBio, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura foram procurados, mas não se manifestaram.

Rate this post



Comentários com Facebook




Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.