A PALAVRA DO DIA -Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. (Mt 5.3.)


Vivemos numa sociedade marcada pelo pragmatismo, sucesso como sinal da interferência de Deus e progresso econômico como referencial de bênção. Mas, para quem vive ou trabalha entre os pobres, esses sinais poucas vezes, ou quase nunca, se manifestam. Por isso, caímos no desânimo, desencanto, frustração e, muitas vezes, em desespero.

Alguns projetos sociais que acompanhei em Angola foram, literalmente, destruídos da noite para o dia, por causa da guerra. Causou dor no peito ver o que havia sido construído em dois anos ser consumido pela brutalidade desumana em apenas algumas horas, na calada da noite. Situações adversas sempre surpreendem quem vive engajado na luta em favor dos pobres. E, muitas vezes, chegamos ao ponto de desanimar.

Todavia, mais do que resultados imediatistas materiais, guardo comigo os frutos da minha própria humanização apreendida a partir do pobre. Coisas boas sempre vão acontecer, mesmo em circunstâncias adversas. Quero animar você a não desistir, a continuar sonhando, a fazer do reino dos céus a possessão dos realizados com a vida, por serem pobres de espírito. Vamos juntos buscar algum entendimento sobre o que Jesus quer nos ensinar, quando anuncia a felicidade dos pobres de espírito.

Há uma tendência de se espiritualizar a interpretação da palavra “pobre” nas Escrituras. É evidente que a Bíblia não fala de pobre dando somente uma conotação econômica e social. A pobreza é apresentada também como uma disposição interior ou atitude de alma, em que a pessoa se coloca sob a total dependência de Deus.

Mesmo assim, a maioria das palavras hebraicas usadas na Bíblia para designar “pobre” tem em seu conteúdo literário a idéia de “pobre” como pessoa desprovida de bens materiais ou oprimida pelos ricos e poderosos. Nestes casos, em geral, os documentos, principalmente dos profetas, falam muito mais do juízo de Deus em relação aos que provocam a injustiça do que da situação dos que a sofrem. A parcialidade de Deus, que está sempre do lado do pobre injustiçado, é evidente, mas não se pode perceber em nenhum momento que ele seja feliz porque foi injustiçado.  Aliás, sob a lógica da sobrevivência, é necessário um milagre tremendo para alguém estar feliz por causa da pobreza. Além de outros males, a pobreza gera revolta, indignação e, às vezes, blasfêmia, na mesma proporção em que a riqueza gera indiferença e materialismo idólatra.

Nos manuscritos mais antigos do texto de Mateus, não se encontra o complemento de espírito, que a maioria dos tradutores preferiu acrescentar. E tudo nos faz crer que não houve equívoco. Deram ao texto o sentido mais próximo daquele a quem Jesus está chamando de pobre. Pobre não é apenas o economicamente desprovido, o socialmente marginalizado, o psicologicamente oprimido. No novo conceito de Jesus, pobreza implica uma condição de alma, um estado de espírito, uma nova atitude em relação a Deus. Jesus está falando de pessoas que confiam exclusivamente em Deus, sendo que a razão dessa confiança é a incapacidade de confiar em si mesmas, pois não dispõem de prestígio, influência social nem poder. Quem são, geralmente, as pessoas com essas características, senão principalmente as pobres?

Portanto, os pobres, para quem Jesus foi ungido a evangelizar (Lc 4.18), para quem são dadas as bem-aventuranças (Mt 5.1-12), para quem o evangelho é revelado (Mt 11.28), são os indigentes, os carentes, os fracos, os humilhados. São os que trabalham dignamente e possuem apenas o trivial, e os que vivem em condição de miséria absoluta. São ainda os cidadãos do reino de Deus, que, desprovidos de socorro humano e material, recorrem exclusivamente ao socorro de Deus e, por isso, são felizes. São felizes conforme o Sermão do Monte, por não acumularem tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem corroem. São felizes porque foram cativados a servir, em adoração a Deus e amor ao próximo. São felizes por terem encontrado a alegria do ser — a fonte onde a infelicidade não existe. Na escolha entre Deus e as riquezas, preferiram Deus, pois, segundo Jesus Cristo, não é possível servir aos dois ao mesmo tempo.

Em geral, as riquezas escravizam, tornam as pessoas devotas do ídolo do mercado. Muitos perdem a sensibilidade humana, tornando-se pessoas avarentas, egoístas, enfim, longe da felicidade que está no ser, e não no ter. Do mesmo modo, podemos ter pobres — economicamente pobres — cuja esperança está prepotentemente enraizada na possibilidade de sua aceitação pelo mercado, e não na esperança em Deus. Alguns, por terem a riqueza, adoram-na como a um ídolo; outros não a tem, mas nela põem toda a sua esperança. E tanto estes quanto aqueles são miseráveis, pobres mesmo, cegos e nus — são infelizes.

Felizes os pobres de espírito. Entre estes estão aqueles que vão em busca do pobre que não tem dinheiro, do pobre que teve o direito usurpado, do pobre sem acesso à escola, sem lugar para morar, sem terra para cultivar o pão nosso de cada dia. Esses que vão aos pobres, dia a dia, trabalhando em creches, associações de bairros, entre os sem-terra, os sem-teto — muitas vezes vão com a alma vazada de indignação para com os dirigentes dos órgãos públicos e, desencantados com a indiferença dos religiosos, acabam alimentando-se do desespero de não ver seus sonhos concretizados. E, a despeito de tudo, são felizes.

São felizes por terem sua sensibilidade humana redimida — os pobres nos humanizam! São felizes por terem uma decodificação do evangelho simplesmente explícita no cotidiano do pobre — entre os pobres, o Evangelho se enraíza. Assim, entre os pobres, o pobre de espírito recebe a revelação de que toda a esperança da vida não está no bem financeiro de quem o possui, nem na expectativa de possuir, algum dia, qualquer bem material. Entre os pobres, que não têm prestígio, fama, reconhecimento nem poder, o pobre de espírito se percebe desnudo de qualquer riqueza — até mesmo da chamada riqueza espiritual — e, diante da consciência de que nada possui, decide confiar exclusivamente na graça de Deus. Por isso, é especialmente feliz.

Continuemos entre os pobres alimentando sonhos e esperanças, mas acima de tudo, sendo por eles humanizados e re evangelizados, para que a nossa bem-aventurança seja completa na ressurreição de nossa humanidade.

Carlos Queiroz, casado, dois filhos, é pastor da Igreja de Cristo e leciona missiologia no Seminário Teológico de Fortaleza.

* Artigo cedido pela Revista Mãos Dadas.

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Levany Júnior

Levany Júnior é Advogado e diretor do Blog do Levany Júnior. Blog aborda notícias principalmente de todo estado do Rio Grande do Norte, grande Natal, Alto do Rodrigues, Pendências, Macau, Assú, Mossoró e todo interior do RN. E-mail: [email protected]

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