A mudança de posição do TCU sobre os créditos adicionais suplementares, por Marcus Filgueiras


A mudança de posição do TCU sobre os créditos adicionais suplementares (após o Acórdão nº 2461/2015)

por Marcus Filgueiras

Os créditos adicionais suplementares são acréscimos ao orçamento originariamente aprovados pelo Poder Legislativo, de forma a reforçar uma dotação de despesa que se revelou insuficiente no curso da execução orçamentária. A abertura de tais créditos exige não só a indicação da correspondente fonte do custeio, bem como a compatibilidade com a meta fiscal.

O tema sofreu recente alteração de intepretação, especialmente com relação à análise que envolve a sua compatibilidade com a meta fiscal.

O novo entendimento foi consolidado no âmbito do TCU por meio do Acórdão nº 2461/2015, no processo TC 005.335/2015-9. A questão também foi debatida no recente julgamento do impeachment. Os seus principais atores expuseram argumentos inegavelmente jurídicos, ainda que por vezes viessem lançados no bojo da retórica política. Parte da tese do TCU foi utilizada pelo Senado de forma a consumar o impeachment da então Presidente Dilma Roussef.

Nesse contexto, é relevante refletir sobre os reflexos do novo entendimento.

I – A compatibilidade da meta e a prognose administrativa

O texto legal que tem sido empregado nas LOAs da União não esclarece o que se deve entender por “compatibilidade com a meta”. Porém, é inegável que se trata de uma projeção da receita/despesa desde o momento da abertura do crédito adicional até o final do ano, cujo resultado é checado com a meta fiscal. Isto porque a meta é anual, tal qual dispõe o art. 4º, § 1º da LRF.

Para elaborar a projeção até o fim do ano, o Chefe do Executivo, no momento de abertura dos créditos, deverá recolher da realidade todos os fatores prováveis de acontecer até o encerramento do exercício financeiro, inclusive os legislativos, que provoquem impacto sobre as despesas, as receitas e sobre a própria meta.

Esse juízo se traduz em verdadeira prognose administrativa, que é uma antecipação intelectual do futuro, como diz administrativista lusitano António Francisco de Sousa. A prognose não é juízo de subsunção, mas juízo de probabilidade. Nas previsões não há bitola de exatidão e verdade, mas bitola de cuidadoSó o futuro irá comprovar o que é verdade.

II – A interpretação do TCU em 2010 (Acórdão 1306/2010)

O Acórdão nº 1306/2010 – TCU (Plenário) apreciou as contas de 2009 da Presidência da República. A LOA de 2009 também continha o mesmo artigo 4º das LOAs posteriores (2010 a 2016), que exigia a compatibilidade com a meta como requisito para a abertura de créditos adicionais suplementares.

O Acórdão referendou o entendimento de que é lícito abrir tais créditos computando a meta proposta antes mesmo de sua aprovação pelo Congresso. A decisão constatou a possibilidade de ampliação dos limites de empenho e movimentação financeira porque a nova projeção foi combinada com a alteração das metas fiscais propostas ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo. Isso significa dizer que poderia haver tanto a abertura dos referidos créditos quanto o próprio descontingenciamento gradual, tal qual faculta a lei. O entendimento também foi acolhido à época pela Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO), no Congresso Nacional.

O que se verifica é que, nesta posição de 2010, o TCU admitia que a meta proposta já poderia constar do cálculo para efeito de emissão dos respectivos empenhos de despesas e abertura de créditos adicionais, porque o novo parâmetro se encartava num cenário provável, ou seja, compunha o juízo de prognose elaborado pela Administração.

A prognose se confirmou como verdadeira com a aprovação pelo Congresso Nacional da Lei nº 12.053/2009 que alterou a meta.

III – A intepretação do TCU em 2015 (Acórdão nº 2461/2015)

O entendimento lançado no voto do Acórdão nº 1306/2010 do TCU prevaleceu até outubro de 2015, quando sobreveio o Acórdão nº 2461/2015, que apreciou as contas de 2014 da então Chefe do Poder Executivo.

O Acórdão de 2015 decidiu que as aberturas de créditos adicionais suplementares feita pelos decretos presidenciais se mostraram incompatíveis com a meta naquele momento (exercício de 2014). Alegou-se que o contingenciamento feito foi insuficiente para ajustar-se à obtenção da meta vigente no momento da respectiva abertura. O resultado era compatível somente com a nova meta proposta, mas que ainda estava pendente de aprovação.

O TCU justificou que a compatibilidade com a meta precisa ser calculada de modo prospectivo e, por isso, deve levar em consideração sempre dados que acontecem ou que deverão ocorrer do momento da sua elaboração até o encerramento do exercício financeiro correspondente – tendo em vista mudanças nas variáveis econômicas e alterações legislativas, tendo sempre como foco o cenário mais provável.

Diferentemente do entendimento de 2010, o TCU decidiu que não mais deveria incluir no cálculo o novo valor que ainda não havia sido aprovado pelo Congresso Nacional. Resulta desse entendimento que o TCU não considerou o novo parâmetro pendente de aprovação como parte do cenário mais provável de acontecer.

Mas o fato é que a nova meta proposta pelo Poder Executivo em 2014 foi aprovada pelo Congresso Nacional, em dezembro daquele mesmo ano (Lei nº 13.056/2014). Portanto, o que era apenas provável converteu-se em realidade, tal como ocorreu em 2009. A prognose do gestor público se cumpriu com relação à meta.

Não obstante, a abertura de créditos adicionais foi considerada ilegal pelo TCU por essa específica razão e, também por isso, foi aprovado parecer prévio desfavorável quanto às contas de 2014.

IV – A crítica à alteração do entendimento do TCU

A tese do TCU de 2015 é de difícil sustentabilidade, pois cria um conceito “prospectivo” da realidade que não admite ser cotejado posteriormente com a própria realidade, para fins de controle.

Não se pode perder de vista que a confirmação da prognose no futuro afasta a caracterização da sua ilegalidade de modo irrefutável e irreversível. Este é o ponto. Ora, se a prognose administrativa a respeito da meta se vê confirmada na realidade é sinal de que o que foi previsto se concretizou. A previsão se fez realidade. Logo, é a comprovação de que foi feita corretamente.

O que fica evidente acerca do novo entendimento do TCU é que a eleição do que está ou não dentro do que se denomina de “cenário mais provável” passou a ficar a critério exclusivo do próprio TCU, independente do que venha a acontecer na realidade. Ainda que a prognose se confirme, o TCU se reserva ao direito de considerá-la ilegal e decidir pela irregularidade da conta que nela se fundou, como aconteceu com este Acordão nº 2461/2015.

Essa intepretação do TCU, de certa forma, esvazia a competência jurídica da Administração Pública de elaboração do juízo de prognose, o que ofende ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CF), e também a determinadas normas gerais de Direito Financeiro (especialmente os artigos 42 e 46, da Lei 4.320/64), bem como a própria LOA.

Respeitosamente, não creio que haja justificativa para tamanho descompasso da interpretação do TCU com a realidade e com o próprio sistema jurídico vigente. A atuação arbitrária da Corte de Contas é de todo lamentável e deve ser combatida, mas sempre com o instrumental oferecido pelo Estado democrático de Direito (sem exceções, pois o fim não pode justificar meios).

É de se reconhecer que toda interpretação jurídica é tributária de seu tempo. Se o momento histórico passou a condicionar a Corte federal de Contas a fazer o controle da prognose administrativa de costas para o mundo dos fatos, de costas para a realidade, há elementos sólidos a nos sinalizar que atravessamos uma quadra perigosa da história. O Estado democrático de Direito exige de nós uma reflexão madura e serena, sem paixões políticas, acerca dos rumos de nossas instituições jurídicas.

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Levany Júnior

Levany Júnior é Advogado e diretor do Blog do Levany Júnior. Blog aborda notícias principalmente de todo estado do Rio Grande do Norte, grande Natal, Alto do Rodrigues, Pendências, Macau, Assú, Mossoró e todo interior do RN. E-mail: [email protected]

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