MACAU RN-Jogador: profissão de risco


168603Itamar Ciríaco
Editor de Esportes

A justiça trabalhista do Rio Grande do Norte começou a “virar o jogo” na luta para garantir aos atletas de futebol, no Estado, a prevenção necessária para evitar acidentes de trabalho, bem como assegurar direitos relativos a relação laboral entre clubes e jogadores. No entanto, essa vitória se restringe a Natal, Mossoró e Caicó, nas outras cidades, onde as equipes são sazonais e se desfazem após poucos meses de disputa do Campeonato Estadual, a situação ainda é, nas palavras do procurador do Ministério Público do Trabalho – MPT, José Diniz de Moraes, “uma coisa primitiva”. A próxima fase dessa “competição”, cujo prêmio é a cidadania dos atletas, está marcada para novembro, quando entidades públicas, clubes, Federação e o Sindicato devem se reunir para aperfeiçoar as ferramentas de controle.

A Justiça do Trabalho tem agido desde 2012, quando propôs o primeiro Termo de Ajustamento de Conduta com clubes potiguares, em parceria com a Federação Norte-riograndense de Futebol e o Sindicato dos Atletas Profissionais do Rio Grande do Norte. A medida já sofreu duas atualizações e está próxima de mais uma renovação.

“Fizemos em 2013 outro TAC, este muito longo, depois de muitos estudos, com vários médicos do trabalho e de clubes, disciplinando o atendimento ao atletas em relação a prevenção. Prevenir lesões e no caso que ocorram acidentes de trabalho típicos como já aconteceu, ser atendido de forma adequada, com a presença de médicos nas partidas, ambulâncias equipadas com todos os aparelhos necessários à proteção deles. Essa é a nossa primeira preocupação: prevenir, não deixar que venham a ocorrer lesões”, comenta o Procurador do Trabalho  José Diniz de Moraes.

Adriano AbreuJosé Diniz de Moraes, procurador do MPT no EstadoJosé Diniz de Moraes, procurador do MPT no Estado

Segundo o representante do MPT, quando o acidente ocorre, o trabalhador goza das mesmas garantias e prerrogativas deferidas aos trabalhadores em geral. “Tem um plus, um adicional que é o seguro do atleta, próprio previsto na Lei Pelé, onde se visa dar uma maior proteção ao trabalhador pós-acidente no caso de paralisação temporária ou mesmo definitiva da sua capacidade desportiva”, explica Diniz.

Mas, apesar de estar na Lei, esse seguro não é aplicado no Brasil. “O próprio TAC está sendo descumprido neste aspecto, mas por uma razão de mercado. Simplesmente não temos fornecimento do produto no mercado. Não temos no Brasil empresa para fornecer esse produto, o que dificulta muito a implantação desse dispositivo”, diz. “Soube que no Sul e no Sudeste já se contrata esse tipo de produto, mas externo, fora do País”, complementa o Procurador que sugeriu aos clubes locais adotarem um similar de forma paliativa.

De acordo com  José Diniz de Moraes a situação, anterior ao TAC era “bem complicada”.  “Antes nós tínhamos um verdadeiro descalabro. Tínhamos uma verdadeira desorganização dentro dos clubes, porque tudo era feito de forma improvisada. Os trabalhadores não tinham carteira assinada, registro, não gozavam de proteção nenhuma, não tinha direito recolhido, não tinham o INSS pago. Além disso, uma boa parte dos clubes tem a realidade de ser provisório, não trabalham o ano todo. Após o Estadual desaparecem.  E a formação deles para disputar este torneio era muito improvisada. Trazia gente de qualquer lugar, de qualquer jeito, acomodavam em qualquer lugar, não assinavam carteira, não fazia contrato, não fazia nada. Se o clube fosse bem pagava, se não ficava sem pagar e eles jogavam pela comida do dia”, relembra.

Entretanto as discussões comandadas pela Justiça do Trabalho e com apoio de entidades como a Federação Norte-rio-grandense de Futebol – FNF, e Sindicato dos Jogadores, a Superintendência do Trabalho e Emprego mudou um pouco dessa realidade. “Melhorou um pouco, mas não melhorou de tudo porque os clubes desaparecem. Você não tem como manter um controle mais efetivo sobre esse recrutamento de atletas, sobre as instalações, salário e outros, porque quando vai atrás o clube já desapareceu daquele ano”, revela Diniz. “O ideal era que só clubes com estrutura disputasse o Campeonato, pois você literalmente escraviza as pessoas. Nós tivemos relatos de jogadores que vem só com a mala e ficam hospedados em abrigos coletivos, sem o menor tipo de privacidade, sem alimentação adequada, sem nenhum tipo de estrutura para recebê-los”, complementa.

Essa era a realidade até o ano de 2011. “À partir do ano seguinte nessa empreitada nós conseguimos, com os TACs, regularizar tudo. Temos inclusive um TAC específico para a concessão de férias, garantindo os 30 dias aos atletas”, comemora o Desembargador, que, ainda assim espera por momentos de dificuldades para que haja uma completa adequação. “Inicialmente passaremos por um período de dificuldades e grandes, porque não é fácil você fazer um contrato de trabalho com todos os encargos a partir de doações voluntárias como acontece com muitos clubes do Interior que em sua maioria são financiados por economias próprias  dos organizadores. Então fica difícil porque envolve mais que dinheiro, envolve paixão, tradição do município e tudo mais. Ou seja, implementar tudo isso, reconhecer todos esses direitos, inicialmente irá causar um certo tipo de impacto, vai talvez provocar a desistência de alguns clubes. Mas, penso que em pouco tempo nós já teremos o amadurecimento suficiente para fazer uma organização em termos mais humanísticos, um pouco mais civilizado, porque, volto a dizer, é uma coisa primitiva a organização de certos clubes que participam do nosso Campeonato Estadual. Às vezes o salário é a comida”, conclui o Procurador  José Diniz de Moraes.

Sindicato dos Atletas do RN critica os clubes

O advogado Felipe Augusto Leite, presidente do Sindicato dos Atletas de Futebol do RN afirma que os clubes do Estado ainda não profissionalizaram, como deveriam, os departamentos médicos deixando os jogadores à mercê de possíveis acidentes de trabalho e suas consequências.

Júnior SantosAdvogado Felipe Augusto, presidente do Sindicato dos AtletasAdvogado Felipe Augusto, presidente do Sindicato dos Atletas

“Os nosso clubes ainda insistem em não querer profissionalizar os departamentos médicos. Certamente que tal medida prestigiaria a medicina desportiva, o trabalho seguro e sua proteção a fim minorar o numero de acidentes que põe em risco, inclusive, a vida dos atletas”, desabafa o presidente do Sindicato.

Felipe Augusto também dispara contra os clubes quando se refere a relação entre patrão e empregado quando ocorre a lesão no atleta. “Não há respeito de forma alguma. Os clubes, por não fazerem os recolhimentos do INSS, ficam impossibilitados de encaminhar os atletas com afastamento superior à 15 dias à Previdência Social. Pior, quando isso ocorre, ao retornar os atletas não tem garantido direito à estabilidade previdenciária. No casos de afastamento por período inferior, à exceção de América e ABC, os atletas ficam apenas fazendo tratamentos paliativos a fim retornarem o mais breve possível, sem a completa cura da contusão”, revela.

Quando o assunto diz respeito ao Interior do Estado, o advogado Felipe Augusto tem conclusão semelhante a do desembargador do Ministério Público do Trabalho – MPT, José Diniz de Moraes. “Os clubes do interior vivem sob intensa fiscalização. São absolutamente amadores. A Federação Norte Riograndense de Futebol, a quem agradeço desde já,  implantou no Regulamento da Competição de 2015 a obrigatoriedade da presença de médicos nos jogos, atendendo uma solicitação do Sindicato. Está na hora de avançarmos mais ainda e chegar a obrigatoriedade de que esses clubes demonstrem possuir departamentos médicos permanentes em dias de treinos. Isso ainda não é uma realidade, infelizmente”, observa.

De acordo com Felipe Augusto, o Sindicato tem a obrigação de fiscalizar as condições de trabalho dos atletas. “Após detectar irregularidades, optamos por apresentar Denuncia junto ao Ministério Público do Trabalho, que tem sido bastante importante nesse trabalho, inclusive de chamamento da Delegacia Regional do Trabalho e Conselhos de Medicina e Educação Física a fim verificação in loco das irregularidades  praticadas pelos patrões/clubes no curso dos contratos. Essa fiscalização abrange os recolhimentos do FGTS e do INSS, assinaturas das carteiras de trabalho, o pagamento de salários em dia, concessão de férias, abonos, moradia digna, alimentação compatível ao esporte, treinamentos ministrados por profissionais, etc”, relembra.

Sobre o Termo de Ajustamento de Conduta, Felipe Augusto lamenta a não existência de uma seguradora que aceite contratar  o seguro na forma da Lei Pelé. No entanto, segundo o advogado e presidente do Sindicato, no rio Grande do Norte, o Alecrim Futebol Clube e o América já garantiram aos atletas um seguro um pouco menos específico que teria passado um sentimento de cumprimento da legislação. “Agora, somente o ato de assinar a carteira de trabalho e recolher a contribuição previdenciária já garante ao atleta o benefício estatal previdenciário em caso de um infortúnio. Os clubes, em tese, não fazem nem isso, pior, subtraem do trabalhador seu percentual e sequer recolhem, ou seja, se apropriam dos valores. Isso já é objeto de Ajustamento de Conduta”, alerta.

Programa do TST ajuda a diminuir casos em todo País

O Tribunal Superior do Trabalho criou o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho, em parcerias com diversas instituições públicas e privadas. A ação visa proteger todos os trabalhadores, inclusive os jogadores de futebol, apesar da legislação especial que trata especificamente dessa profissão. No caso do Rio Grande do Norte, de acordo com o Desembargador Federal do Trabalho no RN, Eridson João Fernandes Medeiros boa parte dos problemas são resultantes do fato dos clubes locais não respeitarem seus próprios limites financeiros.

“Está na hora de os clubes profissionais de futebol se organizarem dentro da nossa realidade local, não realizando contratos fora de suas possibilidades financeiras, evitando-se, assim, indenizações milionárias e impagáveis”, alerta o desembargador.

Eridson Medeiros critica os clubes e afirma que existe um “respeito pontual” à legislação, em alguns casos. “A questão do respeito dos clubes potiguares à legislação trabalhista é pontual, visto que a maioria dos direitos da categoria é respeitada, mas existem alguns casos em que direitos básicos são violados. Por outro lado, os clubes insistem numa configuração contratual fora da realidade econômico-financeira da nossa região e sofrem com isso quando das rescisões contratuais dos seus atletas”, insistiu.

Sobre a ação da Justiça do Trabalho em relação aos clubes do Interior potiguar, o Desembargador afirma que não existe diferença na exigência da Lei e o atleta profissional tem a proteção legal dos contratos e da previdência social dependendo do caso. “Há entendimentos que apontam no sentido de se negar aos atletas profissionais a indenização relativa à estabilidade prevista no artigo 118 da Lei nº 8.112/91, considerando que os seus contratos têm duração certa e daí os efeitos da percepção do auxílio doença acidentário não se estenderiam nesta modalidade de contrato a prazo certo após a sua suspensão. Foi o caso, se não me engano, da situação do ex-zagueiro do ABC Ben Hur”, relembra.

O Desembargador reafirma a importância dos clubes potiguares pactuarem com seus atletas de forma profissional e adequada a realidade local. “Não existe um modelo padrão para evitar riscos aos atletas profissionais, nem há uma solução mágica. O que se pode fazer, é tentar realizar um contrato que atenda as necessidades de ambas as partes, dentro de suas realidades e, assim, elas possam cumprir com o pactuado, mas não há um fórmula”, explica.

Os clubes que insistem em tentar burlar a legalidade podem pagar caro e comprometer seu futuro enquanto instituição. “As penalidades vão desde uma indenização razoável paga pelos clubes aos atletas profissionais, dependendo do caso, até mesmo a reintegração desses atletas. Existe também o controle feito pelas Superintendências Regionais do Trabalho que podem acarretar multas administrativas aos clubes que não estejam cumprindo a legislação”, avisa o Desembargador.

As principais disputas jurídicas no Estado dizem respeito a questão da composição da remuneração dos atletas, tais como salário fixo e direito de imagem. “Ora, o atleta é contratado para perceber, digamos, vinte mil, sendo que cinco é o salário base e no restante o clube faz um contrato paralelo de direito de imagem, sem qualquer configuração legal dessa figura. Então, na rescisão contratual, os clubes querem pagas os direitos rescisórios com base nos cinco mil, desprezando o valor residual , causando prejuízo ao atleta. Na maioria dos casos o atleta ganha”, conclui.

Um dos piores problemas não é, pela Lei, ‘acidente’

Entre os jogadores de futebol, a contaminação com a Hepatite “C”, ocorrida no passado, no Brasil e no Rio Grande do Norte mais especificamente entre as décadas de 50 e 70, não pode ser considerada “acidente de trabalho” devido à característica de manifesto tardio da própria doença, o que não gera o fim do contrato. No entanto, caso possuísse diagnóstico imediato, seria o pior dos acidentes da história entre os profissionais deste esporte.

“A hipótese de considerar um acidente de trabalho só é nula porque a característica principal da Hepatite C é o manifesto tardio. Na verdade, essa doença só se manifestou vários anos após encerrado o contrato e não foi o motivo de sua cessação. Daí, também por isso, não pode ser considerado acidente. Além disso, não gerou aposentadoria em decorrência de trabalho de atleta profissional”, explica o presidente do Sindicato dos Atletas de Futebol do Rio Grande do Norte.

Naquela época, boa parte dos jogadores buscava um melhor rendimento físico através de estimulantes do tipo Glucoenergan, Neocebetil com Fostimol, Tiaminose e Complexo B. Como ainda não existiam as seringas descartáveis, eram utilizadas as de vidro, que, mal-esterilizadas levavam a contaminação.

A doença causou alguns óbitos entre ex-futebolistas, sendo os mais identificados, Marinho Chagas, Tonício (ex-ABC), Odisser (ABC e América), Saquinho e Hélcio (América).

Wilson Piazza, ex-Seleção Brasileira e atualmente presidente da Federação das Associações de Atletas Profissionais explica, no site da entidade que: “Antes, os atletas estavam sujeitos a doenças como a hepatite C, além do tratamento inadequado das lesões sofridas durante os jogos”.

O presidente da FAAP adverte que, ainda hoje, o risco desses “acidentes de trabalho” é grande devido a falta de profissionalismo. “Há cerca de 700 clubes ditos profissionais no Brasil, mas somente cerca de 20% deles o são. Muitos requisitos para uma infraestrutura que possibilite a recuperação adequada não são seguidos. É preciso o mínimo de fiscalização e exigência legal correspondente a realidade dessas empresas”, revela.

Piazza lembra que muitos ex-atletas possuem sequelas físicas causadas pelos tratamentos e diagnósticos inadequados.

Legislação

O que diz a Lei sobre Acidente do Trabalho na área do Futebol

Definição de Acidente de Trabalho – É o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 2o desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, ou a perda ou redução permanente ou temporária da capacidade para o trabalho.

Constituição – Ampliou o conceito de direito constitucional do trabalho e assegurou a todos os trabalhadores o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, mediante normas de saúde, higiene e segurança, nos termos do inciso XXII de seu artigo 7o. Logo, esta previsão também é aplicada ao atleta profissional de futebol.

Lei Pelé – Implementou a figura do seguro obrigatório, previsto no art. 45, que é taxativo ao afirmar a obrigatoriedade da contratação pelo clube empregador, de seguro de vida e de acidentes pessoais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos. Com efeito, trata-se de uma obrigação inafastável prevista na lex desportiva.

Lei Pelé – O clube empregador também será responsável pelas despesas médicas e dos medicamentos necessários ao restabelecimento do atleta até a efetivação do pagamento da indenização pela seguradora.

Legislação Previdenciária – É aplicada ao atleta profissional que gozará dos benefícios nela previstos, como, por exemplo, o auxílio doença ou o auxílio acidente.

Lei nº 8.123/91 – Segurado que sofreu acidente de trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.

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Levany Júnior

Levany Júnior é Advogado e diretor do Blog do Levany Júnior. Blog aborda notícias principalmente de todo estado do Rio Grande do Norte, grande Natal, Alto do Rodrigues, Pendências, Macau, Assú, Mossoró e todo interior do RN. E-mail: [email protected]

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