MACAU RN-Advogado relata disputa jurídica em torno de sementes de maconha


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Jornal GGN – Em artigo publicado no portal Jota, o advogado Alexandre Pacheco Martins relata a história da disputa jurídica em torno de 12 sementes de maconha. Ele conta que seu cliente o procurou em 2013 por ser investigado por tráfico internacional de drogas após ter comprado as sementes pela internet.

Na última quarta (19), o Conselho Institucional do Ministério Público Federal decidiu, por 11 votos a 8, que a importação de sementes, em pequenas quantidades, não poderia ser considerada como crime de tráfico internacional ou contrabando.

“Para o País, eu realmente acho que é uma decisão histórica. Um baita precedente, uma luz na luta pela descriminalização”, afirmou o advogado. Leia o artigo completo abaixo:

Do Jota

Semente de maconha: Pequenos prazeres de um advogado criminalista no Ministério Público

Por Alexandre Pacheco Martins

Hoje teve fim a luta de mais de três anos de um dos meus clientes mais queridos.

André (nome fictício) me procurou em 2013 investigado por tráfico internacional de drogas.

O que ele tinha feito? Comprado, numa aposta entre amigos, 8 sementes de maconha pela internet ( vieram 12, sendo 4 de brinde).

Ele foi até a Polícia Federal sozinho e foi ouvido, não foi bem.

A polícia federal foi até a casa dele, fez uma “diligência velada”, o acompanhou por alguns dias e representou por uma busca e apreensão em sua casa.

Quando isso aconteceu, bateu o desespero. Nós já tínhamos trabalhado em mais de uma dezena de casos como esse e nunca tínhamos perdido nenhum, inclusive ele me procurou porque viu meu nome numa matéria da Conjur que foi reproduzida pela Folha de S.Paulo e alguns fóruns pela internet.

Vocês conseguem imaginar um cliente ansioso e desesperado? Esse era André. Ligações diárias e às vezes mais de uma vez por dia nos últimos três anos.

Ao final do inquérito veio o pedido de arquivamento do Ministério Público Federal. Fiz a burrada de ligar para ele super empolgado! Não me esqueço da alegria dele com o pedido de arquivamento.

Duas semanas depois, uma juíza que já tinha dado várias decisões de arquivamento em casos iguais decide não arquivar e mandar o caso para a Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. Falou que não era tráfico, mas era contrabando.

Foi uma das piores ligações que fiz para ele. Ele me confessou que adorava me ligar, mas odiava quando eu ligava.

No final até que André achou que era uma vitória, porque contrabando é muito menos grave que tráfico. Eu admito que não o dissuadi dessa ideia.

Foi então que o inquérito foi para a 2a Câmara Criminal do MPF. Eu fui lá no dia do julgamento e sustentei oralmente pedindo que fosse mantido o arquivamento de tudo.

Perdi.

Pior, quando saiu a decisão, mandaram denunciar por tráfico internacional de drogas.

Pensei em não ligar, mas não podia fazer isso.

André me disse: “Dr. eu vou ser pai, minha primeira filha está para nascer, minha filha não pode ter um pai preso, ela vai precisar de mim. Eu confio no senhor!”

Ele tem uma boa condição financeira, poderia ter contratado certamente os maiores e melhores criminalistas do Brasil, mas confiou em nosso escritório.

Eu decidi então recorrer para um órgão que eu não conhecia, o Conselho Institucional do MPF, que tem a atribuição de julgar os recursos das câmaras de revisão do MPF e formular as diretrizes institucionais do órgão.

Não sabia o que viria… mas as perspectivas não eram boas, a jurisprudência sobre o tema no Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal ficaram horríveis nesses três últimos anos.

Quem julgaria o caso no Conselho Institucional? Os 21 subprocuradores-gerais da República, “os caras”. Exatamente aqueles que atuam no STJ e STF.

Em agosto começou o julgamento na PGR, fui mais uma vez sustentar. Não foi minha melhor sustentação definitivamente, mas foi com alma e coração. Pedi por várias óticas que fosse reconhecido que comprar semente de maconha não era nem crime de tráfico e nem contrabando!

O relator leu um voto horrível! Não entendeu nada e mandava que fosse oferecida denúncia por tráfico internacional, o segundo subprocurador também, veio o desânimo.

Eis que uma subprocuradora Cláudia Sampaio proferiu um grande voto. Assim seguiu – voto a voto. Eu fechei as duas mãos e ia abrindo os dedos conforme eles iam votando, mão direita para ser tráfico, mão esquerda para ser atípico. De repente, meus olhos se encheram de lágrimas quando acabaram os dedos da mão esquerda, mas ainda eram necessários mais seis votos e eu não tinha mais mão.

Comecei a fazer risquinhos na folha de papel, perdi a conta por óbvio. Um subprocurador ficou irritado e pediu vista, disse que era um absurdo o MPF descriminalizar a importação de semente, falou que ia trazer um voto arrebatador.

A subprocuradora-geral Ela Wiecko contabilizou então a votação parcial até o pedido de vista, 8 x 3 para julgar atípica a conduta, contei isso para dois ou três amigos com receio de que o julgamento virasse.

Eis que hoje eu volto para Brasília para terminar o julgamento.

O subprocurador que pediu vista não foi, mas encaminhou os autos para outra subprocuradora que realmente votou contrariamente, minha mão direita ganhou mais um dedo aberto.

A discussão ficou acalorada. Aqueles que votaram comigo na primeira vez defendiam seus pontos de vista e se voltavam para mim com um olhar como querendo dizer “não morra do coração ainda, ‘tamo junto’”.

Resultado final 11 x 8.

Importar semente de maconha não é tráfico de drogas, nem contrabando, na visão do órgão máximo do MPF.

André não será denunciado!

Todos os subprocuradores que votaram no sentido que eu pedi, de alguma forma ao final sorriram para mim sem dizer uma palavra, mas eu entendi como se fosse um parabéns por termos sido os primeiros a não desistir de uma luta que tinha cara de perdida e levar a discussão até às últimas consequências, nos lugares mais estranhos e até inóspitos.

Para o País, eu realmente acho que é uma decisão histórica. Um baita precedente, uma luz na luta pela descriminalização.

Mas para mim, de verdade, o mais importante que hoje é o primeiro dia que André vai dormir tranquilo nos últimos três anos e isso não tem preço.

P.S.: André não atendeu minha primeira ligação quando liguei hoje.

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Levany Júnior

Levany Júnior é Advogado e diretor do Blog do Levany Júnior. Blog aborda notícias principalmente de todo estado do Rio Grande do Norte, grande Natal, Alto do Rodrigues, Pendências, Macau, Assú, Mossoró e todo interior do RN. E-mail: [email protected]

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