MACAU RN-“A polícia não é do Estado, a polícia é da população”


165354

A+A-
Para Ricardo Balestreri, só é possível obter resultados com modelos de policiamento de proximidade se houve forte investimento em formação. O Ronda Cidadã, novo programa de policiamento do governo do Estado, depende da criação de um novo paradigma da polícia na sociedade no qual a proximidade com a polícia não é apenas física, mas social. Além disso, o ex-secretário nacional de Segurança Pública falou que os problemas de superlotação dos presídios brasileiros é mais uma questão de legislação que de construção de presídios.

Ana SilvaEx-secretário nacional de Segurança ressalta que projetos como o Ronda Cidadão precisa de um forte investimento em formação dos policiaisEx-secretário nacional de Segurança ressalta que projetos como o Ronda Cidadão precisa de um forte investimento em formação dos policiais

Antes dos motins na rede prisional do Rio Grande do Norte, o senhor já havia dito que os presídios não são comumente comandados pelo Estado, e sim pelos presos. Qual o peso da ausência do Estado  para que a situação chegasse ao ponto que chegou culminando com os motins e ataques a ônibus e até viaturas da polícia em março deste ano?
O que falta no Brasil é critério para prender. Essa falta está relacionada a própria lei contra drogas brasileira, que foi feita muito mais com base no fígado que no cérebro. Muito mais feita para aplacar emoções da sociedade do que para resolver o problema. Se não repensarmos as drogas no Brasil, como outros países fizeram,  com legislação adequada e um sistema racional, não tem como resolver. Mal comparando o ser humano com cobaias, se você juntar muitas cobaias numa mesma caixinha e não der o mínimo de espaço de locomoção e privacidade para elas, as cobaias acabam matando uma a outra. É isso que nós fazemos com seres humanos nos presídios. Fiz uma pesquisa na Senasp que mostrou que havia 100 mil pessoas presas por drogas no Brasil. Quase 90 mil tinham algumas características:  primários, não tinham constituído quadrilhas, não usaram de violência e, por fim, foram presos com pequenas quantidades de drogas. Mas a pergunta que o gestor público ou técnico tem que fazer é: o que fazem essas 90 mil pessoas nos presídios? Estão se estragando nos presídios brasileiros, aprendendo tudo que não presta e virando massa de manobra de associações criminosas. O caso não é de prender todo mundo, mas de punir todo mundo, mas não necessariamente com privação de liberdade. Quem deve perder a liberdade é quem realmente é perigoso para a sociedade, o chefe do tráfico.

Não tem como controlar presídios superlotados com populações que são parcialmente perigosas. Acreditamos que 1% da população prisional do mundo é constituída por psicopata, mas no mundo inteiro são os psicopatas que dominam os presídios. Então você joga ali um pequeno traficante na malha o psicopata, então ele vai trabalhar para o psicopata.

Qual seria a alternativa de combate às drogas?
Nós temos que combater as drogas culturalmente. As guerras contra as drogas geram resultados piores que as drogas. Mata mais gente, prende mais gente pequena que se estraga e vai sair do presídio para barbarizar com a sociedade. O número de pessoas que consomem cigarros foi diminuído no mundo inteiro sem guerra contra as drogas, foi a campanha cultural.

Mesmo sendo o problema de legislação, o que é possível ser feito pela administração pública?
Seria injusto culpar as administrações públicas, porque não há nenhuma administração que saiba o que fazer com presídios superlotados. O que se faz no Brasil é construir mais presídios. Não se resolve porque nós temos de 350 a 400 mil mandados de prisão não cumpridos no Brasil. Nós teríamos que ter o dobro da malha prisional, o que vai levar muitos anos para construir e quando tiver construído vai ter o dobro de mandados para cumprir. Onde nós vamos parar com isso?

Nessa semana, o governo do Estado começou um programa de polícia de proximidade, o Ronda Cidadã. Pelo que o senhor conhece de projetos semelhantes a esse, qual foi o resultado?
O Ronda Cidadã é uma modalidade de polícia de proximidade. Tem muitas modalidades, como os policiais que caminham e interagem nas ruas com a população. Quando você tem uma malha de pequenos postos policiais, tirando daquelas grandes unidades quartelares. O Ronda é um modelo que o policial não usa  a viatura, mas você não poe o policial exclusivamente na viatura. Orienta-se o policial para descer, conversar, para participar da reunião do conselho comunitário. A viatura é um meio  de deslocamento só, e não um meio de circulação. Todas as experiências de polícia comunitárias significativas no Brasil a redução foi maior que 40% do crime de violência. O bairro da Paz em Salvador, que implantou a polícia de proximidade, em 2012. Em 20 de julho, essa bairro completou um ano se homicídios.

Em Fortaleza, uma cidade mais próxima da nossa realidade, como o senhor avalia?
Eu acredito nesse modelo. Mas não deu certo em todos os lugares, porque em algum momento houve uma traição da experiência. No Ceará, era um excelente projeto, tinha um excelente gestor, tinha uma academia integrada de polícia com um dos  professores mais credibilizada de todo o país de universidade federais, César Barreira, e aí começaram a acontecer coisas. A primeira delas foi a demissão do César Barreira. Desmancharam a ideia de parceria com o mundo externo acadêmico. Simbolicamente, remover um professor como o César Barreira significa um recado para as pessoas. Sem formar capital humano para fazer polícia de proximidade, não se faz polícia de proximidade porque é um paradigma novo. Em um determinado momento, o gestor policial também saiu. Houve uma quebra de sequência.

Quando souberam da implantação do Ronda Cidadã, os moradores de Mãe Luíza solicitaram ações sociais antecedendo o novo programa de segurança pública. Para o senhor, o que deve vir primeiro?
Acho que a situação ideial é  concomitância. Mas se tiver que optar por começar por alguma coisa é uma boa ideia começar pela segurança. Toda vez que você institui uma unidade de polícia, com o paradigma correto de interação com a comunidade, você está instituindo um segmento de muito poder e liderança. Conheço no Brasil  experiências que começaram com a polícia e modificaram a vida de toda a comunidade. Sem segurança pública não pode haver desenvolvimento. Não existe educação de qualidade sem segurança num país onde a maioria da população é pobre como o Brasil. Se a maioria da população é pobre, a maioria das escolas estão em lugares pobres.  Lugares pobres são susceptíveis à influência de bandidos, não porque os pobre cometam crimes, mas os bandidos veem os pobres como mais indefesos. Se você não tem segurança, o agente de saúde tem medo de entrar na comunidade. A segurança tem uma capacidade de bloqueio dos dois outros setores que são tripé do desenvolvimento.

No Rio Grande do Norte, já houve uma experiência de polícia de proximidade, Polícia de Bairro, e acabou. O que pode ser feito para que essas experiências sejam mais sólidas?
Há um problema nacional quando você cria malhas de proximidade e você não cuida da formação dos policiais. Ou seja, quando você só espalha a polícia não garante nada. O que garante é uma mudança do paradigma filosófico da intervenção policial. Quando você aproxima a polícia da comunidade, você faz um movimento de inteligência. É a melhor e mais crível fontes de informações que existe é a comunidade. Mas você não informa a um alheio sobre a sua vida. Quando se toma a decisão de que a polícia é do povo, e não do Estado, você aproxima a polícia do povo. A polícia fica comunitária depois de anos de convívio com a  comunidade. Para a polícia ser da população você tem que saber quem é ele, onde ele mora, você tem que ter o policial ao alcance. A Polícia não é do Estado, a polícia é da população. O Estado é gestor da Polícia.

Além da perversão na formação, qual a herança da ditadura militar na estratégia de policiamento?
No Brasil se construiu, a partir da década de 60 um modelo diferente que é “o vulto que passa na viatura”. Nesse modelo tradicional, a viatura virou locus de vida do policial. Então, você tem viatura circulando tresloucadamente pela cidade se detonando dentro de 3 anos. Nos anos 50, a ditadura militar substituiu aquele policial “Cosme e Damião” pelo modelo predominante de radiopatrulha, que já tinha fracassado nos EUA. A radiopatrulha é uma modalidade acessória de policiamento. A modalidade que funciona para reduzir o crime de violência é de proximidade.

Quanto tempo podemos dizer que um programa o Ronda Cidadã dará resultados?
Em poucos meses, menos de meio ano vamos ver a formação de nichos de alta qualidade tecnológica e humanística na polícia do Rio Grande do Norte voltados para a intervenção em policiamento de proximidade. Desde que se mantenha esse projeto de formar capital humano.

O governo só está aí há cerca de  sete meses. Será que daria pelo menos para os policiais, que vão atuar no Ronda Cidadão terem pelo menos uma formação básica seguindo essa filosofia do policiamento de proximidade?
Acho que sim porque o RN foi contemplado com o programa de formação em polícia comunitária pela Senasp. Nós tivemos centenas de policiais do Rio  Grande do Norte formados em polícia comunitária. Isso já é um processos que vem de alguns anos, não é de hoje. Na época não houve iniciativa do governo local, e esses policiais ficaram dispersos.

Quem é
Formado em História, tem  pós-graduação em  psicopedagogia clínica e psicoterapia. Foi Secretário Nacional de Segurança Pública entre 2008 e 2010. Também atuou como diretor de Ensino e Pesquisa em Segurança Pública do Ministério da Justiça entre 2004 e 2008. Também foi presidente da Seção Brasileira da Anistia Internacional nos anos de 1990. Hoje é presidente do Observatório do Uso Legítimo da Força, sediado no Rio de Janeiro. O gaúcho escolheu há três anos as terras potiguares para morar.

Rate this post



Levany Júnior

Levany Júnior é Advogado e diretor do Blog do Levany Júnior. Blog aborda notícias principalmente de todo estado do Rio Grande do Norte, grande Natal, Alto do Rodrigues, Pendências, Macau, Assú, Mossoró e todo interior do RN. E-mail: [email protected]

Comentários com Facebook




Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.