MACAÍBA RN-Uma em cada 20 pessoas acorda durante uma cirurgia; conheça relatos


or muitos anos, pouco se sabia dos mistérios que rondavam os efeitos da anestesia. Estima-se que 5% das pessoas acordem na mesa de operação — e há chance de que esse número seja ainda maior. Mais de três milhões de anestésicos gerais são usados por ano apenas no Reino Unido”, conta Peter Odor, do Hospital St.George de Londres, em entrevista ao site Mosaic. “Como consequência, é mais do que provável de que agora mesmo alguém, em algum lugar do mundo, esteja consciente durante uma cirurgia.”

Esse foi o caso de Donna Penner, uma canadense de 55 anos que ainda guarda memórias de sua experiência traumática. “Agora qualquer coisa que esteja apertando meu pescoço faz com que eu me sinta sufocada”, relata Penner. Ela conta ainda que tem pelo menos dois pesadelos por semana e está afastada do trabalho devido ao que sofreu na mesa de operação.

O trauma de Penner é resultado de um procedimento cirúrgico que ela enfrentou antes do seu aniversário de 45 anos: após apresentar sangramento severo e forte dor menstrual, o médico da família a recomendou uma cirurgia exploratória para investigar os sintomas. Mas, durante a operação de rotina, por motivos ainda desconhecidos, o anestésico geral não funcionou.

Ela acordou logo antes do cirurgião realizar o primeiro corte no abdômen dela. Com o corpo ainda paralisado pelas drogas anestésicas, Penner não conseguiu sinalizar ou pedir socorro, permanecendo congelada enquanto experimentava uma terrível agonia.

Penner até tentou mover um dos pés — conseguindo movimentá-lo bem sutilmente — mas, embora a enfermeira tenha colocado a mão sobre ele, não adiantou. Após a ação do bloqueador neuromuscular ter passado, tentou mover a língua, mas também não conseguiu ser notada. “Eu pensei: ‘Então é isso, agora eu vou morrer aqui na mesa e minha família nunca saberá como foram as minhas últimas horas porque ninguém nem sequer notou o que acontecia’”, relembra.

Leia Mais:

+Três pessoas já teriam se curado de HIV no mundo, anunciam médicos

+Homem sofre convulsão causada por infecção com cotonete

Outros casos 

O Registro de Conscientização para Anestesias da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, coletou 340 casos parecidos com o de Donna – a maioria deles vindos da América do Norte.

Quase todos os pacientes contatados relataram ter ouvido vozes ou ruídos quando anestesiados — os olhos costumam ficar fechados em cirurgias, então experiências visuais são bem menos comuns. “Eu ouvi um tipo de música e tentei entender o motivo de meu cirurgião ter escolhido aquela canção”, um paciente contou. “Ouvi várias vozes ao redor de mim que pareciam estar em pânico. Eu as ouvi dizerem que estavam me perdendo.”

Mais de 70% das pessoas relataram ter sentido dor. “Eu senti um furo e uma sensação de queimação em quatro incisões, como se uma faca cortasse um dedo”, um indivíduo descreveu.

“Há duas partes das quais me lembro claramente”, escreveu um paciente que teve o fêmur aberto. “Eu ouvi a broca, senti a dor e também a vibração por toda a minha cintura. A próxima parte foi um movimento na perna e o bater de um ‘prego’.” Segundo ele, a dor “foi como nada que eu imaginei ser possível”.

Milagre médico

Apesar de alguns casos assustadores, ainda é a minoria das pessoas que acorda após a anestesia. O medicamento é um avanço muito grande da medicina em termos de comparação à época de Aristóteles, em que os médicos sonhavam em descobrir métodos de aliviar a dor durante esses procedimentos. Álcool, ópio e cicuta podiam ser usados como sedativos, mas a eficiência dessas drogas não era confiável.

Na década de 1840, cientistas descobriram diversos gases que tinham efeitos sedativos. Um deles era o éter etílico, que foi testado pelo dentista de Boston William Morton, em uma demonstração no Hospital Geral de Massachusetts, nos Estados Unidos, em 1846. Apesar de ter sido capaz de murmurar alguns pensamentos meio coerentes, o paciente não sentiu dor.

As notícias do caso se espalharam, inaugurando a era anestésica, que abriu as portas para descobertas de agentes ainda mais anestésicos como o cloroforme. Hoje, os anestesistas usam drogas com alto grau de efeito analgésico e tais medicamentos reduzem a consciência de modo eficiente.

Alguns médicos usam também, apenas para diminuir a sensação em alguma parte do corpo, os chamados anestésicos locais. Entre eles, estão os epidurais e espinais, ambos aplicados nos ossos das costas para o paciente não sentir metade do corpo. Há também os sedativos, que produzem um estado relaxado sem tirar a consciência por completo.

Funcionamento 

Acredita-se que os anestésicos interfiram nos neurotransmissores, agentes que ativam e desativam a atividade dos nossos neurônios, mexendo na comunicação entre diferentes partes do cérebro.

Alguns anestésicos ainda usam relaxantes musculares. Quase metade dos anestésicos gerais no Reino Unido, por exemplo, possuem bloqueadores neuromusculares, substâncias que paralisam o corpo, prevenindo espasmos e reflexos que poderiam comprometer uma cirurgia. Eles são muito usados para entubar pacientes quando é necessário abrir uma via aérea para a entrada de oxigênio e medicamentos ou ainda prevenir que a acidez estomacal entre nos pulmões.

Em algumas situações raras, é possível mexer algum membro ou até mesmo falar antes de uma cirurgia para mostrar que o anestésico não funcionou, mas se o paciente tomou bloqueadores neuromusculares isso não é possível. Foi por isso que Donna Penner não pôde pedir ajuda.

Curte o conteúdo da GALILEU? Tem mais de onde ele veio: baixe o app Globo Mais para ler reportagens exclusivas e ficar por dentro de todas as publicações da Editora Globo. Você também pode assinar a revista, a partir de R$ 4,90, e ter acesso às nossas edições.

especiais

Rate this post



Comentários com Facebook




Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.