FOTOS IMAGENS-‘Educação é o maior instrumento de libertação’, diz professora do Complexo Penitenciário da Mata Escura


Por Itana Alencar, G1 BA

 


Detenta do Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador — Foto: Itana Alencar/G1 BADetenta do Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Detenta do Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador — Foto: Itana Alencar/G1 BA

“A educação é o contato que eles [detentos] têm com a liberdade. A educação pode salvar. Através dos livros, de uma nova forma de ver o mundo”. A frase é da professora Conceição Nascimento, que está entre os 55 educadores do Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador.

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O estudo é um dos meios de ressocialização no conjunto penal da capital. Além dos diplomas de formação dos ensinos Fundamental (I e II) e Médio, na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), estudar concede aos internos o benefício da progressão de pena: a cada três dias estudados (12h), os detentos têm um dia de diminuição da prisão.

A unidade escolar do conjunto penal é o Colégio Professor George Fragoso Modesto, antiga Escola Especial da Penitenciária Lemos Brito. Dos cinco dias úteis da semana, os estudantes têm aula em quatro – o quinto é dedicado à visita das famílias.

Aula da professora Conceição Nascimento, no Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador.  — Foto: Itana Alencar/G1 BAAula da professora Conceição Nascimento, no Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador.  — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Aula da professora Conceição Nascimento, no Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador. — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Um dos estudantes do complexo é a carioca Narriman Caroline Pereira, de 21 anos. Criada na cidade de Ibirapitanga, no sul da Bahia, ela está no Conjunto Penal Feminino de Salvador desde setembro de 2018, onde cumpre pena de 5 anos e 10 meses por tráfico de drogas.

“Se eu não estudasse, não ajudaria a baixar minha pena. Então me ajuda tanto na remição [processo de liberdade], quanto em me dar sabedoria. Eu estudo pensando primeiramente em conhecimento, mas estudo porque ajuda a baixar a pena também”, disse Narriman.

“O estudo aqui dentro representa uma força para mim” – Narriman Caroline, detenta.

Narriman conta ainda que o estudo dentro do presídio, junto com o apoio das professoras, ajuda a enfrentar as dificuldades de ser privada da liberdade.

“Eu já estudava, mas aqui eu comecei a estudar mais ainda. Quero saber mais um pouco e isso vai me ajudar lá fora, através do presídio. Estar aqui é uma prova de sobrevivência. Eu tento pensar que isso aqui não é um presídio. As professoras também me dão conselhos. Quando eu preciso de alguma coisa, eu escuto a palavra das professoras, que me ajudam também”.

Narriman Caroline Pereira, detenta do Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador — Foto: Itana Alencar/G1 BANarriman Caroline Pereira, detenta do Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Narriman Caroline Pereira, detenta do Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Para a professora Conceição Nascimento, o trabalho de ressocialização por meio do estudo proporciona novas oportunidades para os internos, que um dia vão sair da penitenciária.

“O objetivo da educação é a inclusão, dar novas perspectivas. Porque quem está aqui hoje, apenas está. Ele não é preso, porque a mente humana não está dada a prisões, ele está sob a guarda do estado. Um dia as portas vão se abrir e elas se abrem através da educação, através do cidadão ocupar o seu espaço dentro da sociedade. Tem pessoas que entram aqui e não têm noção de que elas podem ser outras coisas, apesar de todas as dificuldades”.

“Desejo a meus alunos a felicidade de exercer a sua cidadania em todos os lugares que estejam. Desde aqui, desse aprendizado, a lá fora. Liberdades e conquistas. Educação é o maior instrumento de libertação. A gente lembra Mandela: quem pode prender um homem que nasceu para nos ensinar a ser livre?” – Conceição Nascimento, professora.

Perfil educacional

Mural no Complexo Penitenciário da Mata Escura — Foto: Itana Alencar/G1 BAMural no Complexo Penitenciário da Mata Escura — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Mural no Complexo Penitenciário da Mata Escura — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Em toda a Bahia, a maior parte da população carcerária é formada por pessoas com o Ensino Fundamental incompleto: 8.081 – um percentual de 53% em relação ao total de detentos.

Em contrapartida, a minoria é formada por pessoas com Ensino Técnico completo (2 pessoas) e escolaridade acima do Ensino Superior (3 pessoas) – ambos os números representando um percentual mínimo de 0,01%.

O segundo maior índice é formado por internos com o Ensino Médio incompleto: 1.609 (10,56%). Os analfabetos representam 5,18% dos detentos: 789. Já os formados no Ensino Superior são 59 e representam 0,38% da população carcerária.

Perfil educacional dos internos em presídios da Bahia — Foto: Arte G1Perfil educacional dos internos em presídios da Bahia — Foto: Arte G1

Perfil educacional dos internos em presídios da Bahia — Foto: Arte G1

Entre homens e mulheres, o Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador, tem 627 pessoas estudando na capital, segundo dados fornecidos pela Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), no mês de novembro. O número representa 12,69% do total de detentos do conjunto penal.

O coordenador de Políticas Educacionais da Seap, Everaldo Carvalho, pondera que a baixa quantidade de detentos estudando se espelha na evasão escolar que também acontece fora dos presídios. De modo geral, a Bahia é um dos estados líderes em abandono colegial, principalmente entre os jovens, conforme a última pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Considerando que há uma evasão escolar na sala normal, a gente percebe que isso reflete na educação penal. Nós trabalhamos com a universalização do ensino para todos, temos uma escola que está encarregada de prestar educação seriada para nossos alunos. Todos entram na sala de aula dentro da proposta educacional do ensino formal”, explica Everaldo.

 Com benefício de progressão de pena, estudo é uma das principais formas de ressocialização na penitenciária de Salvador — Foto: Itana Alencar/G1 BA Com benefício de progressão de pena, estudo é uma das principais formas de ressocialização na penitenciária de Salvador — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Com benefício de progressão de pena, estudo é uma das principais formas de ressocialização na penitenciária de Salvador — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Apesar do baixo percentual de internos estudantes em Salvador, no conjunto penal é possível encontrar histórias de pessoas que voltaram a estudar depois de muito tempo sem entrar em uma escola, como Maria da Anunciação Soares, de 58 anos, que cumpre pena de 6 anos e 8 meses por tráfico de drogas.

“Eu passei 33 anos da minha vida sem pisar em uma sala de aula, aqui na cadeia que eu voltei a estudar. Eu estudei até a quinta série e, por questões de família, de ter casado, eu tive que parar de estudar. Eu estudo e sou aluna fiel. Só perco aula se eu estiver doente”, lembra Maria da Anunciação.

“Eu descobri no livro uma das ocupações mais importantes. Eu estou relembrando muitas coisas. Tem muita coisa que é diferente porque há 33 anos o estudo era outro” – Maria da Anunciação, detenta.

Ensino superior

Priscila Regina é interna do Complexo Penitenciário da Mata Escura e foi aprovada no curso de Biblioteconomia da Ufba por meio de nota do Enem — Foto: Itana Alencar/G1 BAPriscila Regina é interna do Complexo Penitenciário da Mata Escura e foi aprovada no curso de Biblioteconomia da Ufba por meio de nota do Enem — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Priscila Regina é interna do Complexo Penitenciário da Mata Escura e foi aprovada no curso de Biblioteconomia da Ufba por meio de nota do Enem — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Dos 627 estudantes custodiados pelo Complexo Penitenciário da Mata Escura, sete cursam o Ensino Superior – sendo que seis deles estão em regime semiaberto e um em prisão domiciliar. Eles estudam nas áreas de Administração, Ciências Contábeis, Direito, Letras e Serviço Social.

O benefício de sair do conjunto penal para ir à faculdade é concedido legalmente para os internos que não estão em regime fechado. Uma das internas dessa modalidade luta na Justiça pela chance de poder cursar Biblioteconomia na Universidade Federal da Bahia (Ufba).

A recifense Priscila Regina da Costa, 35 anos, cumpre pena de 25 anos em duas condenações: 13 anos por tráfico, estelionato e porte de armas, e a segunda de 12 anos por sequestro. Ela fez o Exame Nacional do Ensino Médio para pessoas em privação de liberdade (Enem PPL) no ano passado, e conseguiu nota para o curso que escolheu.

Priscila chegou a ser matriculada na Ufba, mas não conseguiu liberação judicial para estudar. O caso dela está correndo em 2ª instância, depois que ela entrou com pedido de recurso após a primeira negativa. Enquanto isso, a matrícula dela segue trancada.

“Eu me matriculei, mas não vou poder cursar porque estou no regime fechado. A gente entrou com pedido judicial e ele foi negado. Nesse pedido foi anexado uma carta minha onde eu peço apenas para estudar. Eu planejo estudar quando eu sair daqui, porque eu sempre tive na cabeça que educação não tem limite e não tem idade. Às vezes chegam pessoas aqui, até mais velhas, que não sabem escrever e aqui tem a alfabetização. E eu incentivo essas pessoas”, disse Priscila.

“Eu quero, através da educação, mudar minha vida e planejar um novo futuro. Eu pretendo cursar minha faculdade e fazer em outras áreas também, porque eu tenho muitas curiosidades, gosto de muitas coisas” – Priscila da Costa, detenta.

Leitura como forma de ressocialização

Leitura é outra forma de ressocialização no Complexo Penitenciário da Mata Escura — Foto: Itana Alencar/G1 BALeitura é outra forma de ressocialização no Complexo Penitenciário da Mata Escura — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Leitura é outra forma de ressocialização no Complexo Penitenciário da Mata Escura — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Para além dos estudos, a leitura recreativa também é outra forma de ressocialização no Complexo Penitenciário da Mata Escura. Das 12 unidades prisionais do conjunto, apenas o Centro de Observação Penal, o Hospital de Custódia e Tratamento e a Unidade Especial Disciplinar não possuem biblioteca.

O Conjunto Penal Masculino tem cerca de 100 livros no acervo, de acordo com a Seap. As outras unidades contam, cada uma, com aproximadamente 600 livros. Todas as obras são de uma parceria da secretaria com a Fundação Pedro Calmon, além de doações de universidades.

Os “bibliotecários” são os próprios detentos, que recebem capacitação para manter a organização do acervo. Priscila é uma dessas bibliotecárias e trabalha em conjunto com outra interna, que prefere ter a identidade não revelada. Ela, que cumpre pena por tráfico de drogas, fala sobre como funciona o trabalho com os livros.

“As internas entram, escolhem os livros, eu pego e anoto. São três livros no máximo. Elas assinam um termo de responsabilidade com os dados delas, e têm três a quatro dias para devolverem. E elas vêm buscar muitos livros, principalmente os evangélicos. Livros de direito também são muito emprestados, porque elas querem ficar informadas. E saem muito também os livros de autoajuda, minhas indicações também são de autoajuda”, pontuou.

“Já aproveitei muito os livros aqui, já li mais ou menos uns 80 livros. É muito bom porque traz conhecimento, força. Traz esperança de que eu posso ter um futuro melhor e nem tudo está perdido. Eu posso dar a volta por cima. Está sendo um aprendizado na minha vida” – interna que prefere não se identificar.

Acervo da biblioteca do Complexo Penitenciário é formado principalmente por obras da literatura brasileira, de nomes ilustres que vão desde o carioca Machado de Assis à mineira Conceição Evaristo — Foto: Itana Alencar/G1 BAAcervo da biblioteca do Complexo Penitenciário é formado principalmente por obras da literatura brasileira, de nomes ilustres que vão desde o carioca Machado de Assis à mineira Conceição Evaristo — Foto: Itana Alencar/G1 BA

Acervo da biblioteca do Complexo Penitenciário é formado principalmente por obras da literatura brasileira, de nomes ilustres que vão desde o carioca Machado de Assis à mineira Conceição Evaristo — Foto: Itana Alencar/G1 BA

O acervo da biblioteca é formado principalmente por obras da literatura brasileira, de nomes ilustres que vão desde o carioca Machado de Assis à mineira Conceição Evaristo.

“Eu li 89 livros no ano passado, mas esse ano eu só li seis. Caí muito, mas não tenho uma meta. Estou lendo o sétimo agora, o Ponciá Vicêncio [de Evaristo]. Mergulhar nesses livros ajuda a amenizar a dor de estar aqui. Lendo eu não preciso tomar remédio para dormir. Sem ler eu tenho que tomar remédio, principalmente por causa da dor e da saudade”, disse Priscila.

“Aqui na prisão, a leitura na minha vida é tudo. É onde eu tento me estruturar para superar tudo o que eu enfrento” – Priscila da Costa, detenta.

Narriman também é adepta da leitura e assim como com Priscila, ela também faz da leitura um refúgio. Os gêneros preferidos dela são romance, ficção, direito e autoajuda.

“Um livro que marcou muito a minha mente foi A Cabana [de William P. Young]. Foi um livro que me fez pensar em Deus. Eu tinha muita coisa em mim que não estava legal. Estava me revoltando aqui dentro. Depois que eu li esse livro, ouvi os conselhos dos professores, eu melhorei. Já li esse livro mais de cinco vezes, e sempre que eu preciso, eu pego e leio de novo para abrir minha mente”, avaliou Narriman.

“Os livros vão fazer com que eu saia daqui outra pessoa, mudada. Me dão sabedoria e força. Se eu ficasse sem os livros e sem a escola, eu ia ficar isolada aqui dentro” – Narriman Pereira.

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