ALTO DO RODRIGUES RN- PF, Eike reclamou do BNDES. Logo, irá delatar o BNDES.


Nos anos 70, a professora Cremilda Medina foi trabalhar no Caderno de Cultura do Estadão e publicou um poema fescenino sobre os índios caeté devorando o Bispo Sardinha. Era uma bobagem saborosíssima e, até certo ponto, pioneira.

A mãe de uma jornalista do Jornal da Tarde começou a ler para a filha. Que se espantou:

– Mas, mãe, a senhora está lendo uma bobagem!

– Não é não, filha. Saiu no Estadão.

Não se vá exigir do velho Estadão a manutenção da linguagem solene de décadas passadas. Mas a fase pela qual passa o jornal demonstra o tremendo triturador de estilos que se transformaram as redes sociais e os modelos de audiência na Internet, para aqueles veículos que, em algum momento, perderam seu fio condutor.

De um lado, passaram a apelar com tudo pela audiência. De outro, a produzir noticiário fake. E, com o tempo, acabaram perdendo a alma.

Até a explosão recente das redes sociais, os jornais tinham “personalidade”. A Folha dos anos 80 era a moleque provocadora, iconoclasta, investindo contra os santos, da esquerda à direita. O Estadão era a solenidade, o conservadorismo austero. E disputava-se prestígio atrás das grandes reportagens. Os anunciantes pagavam, também, pelo status conferido pela personalidade do jornal.

Com o tempo, as grandes reportagens foram sendo gradativamente substituídas por ilações, manipulações ou mentiras explícitas que, devidamente repercutidas pelos demais veículos, ganhavam aparência de verdade. E a publicidade passou a contar com a impessoalidade da publicidade programática do Google e seus congêneres.

Esse duplo movimento vem produzindo movimentos inéditos. Um velho leitor d’antanho, que resolvesse ler o Estadão online, se depararia com notícias do seguinte tipo:

1.     Cleo Pires grava vídeo brincando com gelo e enlouquece a Internet.

E um vídeo da bela atriz com uma pedra de gelo que passa nos ombros e deixa deslizar pelas costas até o início do traseiro.

Nos comentários no portal do Estadão, o novo público conquistado faz jogos de palavra com gelo, incluindo um “r” a mais e outras sutilezas capazes de deixar envergonhado um motorista de caminhão.

2.     O excepcional furo, de que Eike Baptista decidiu partir para a delação premiada e irá delatar o BNDES.

Que nível de informação o jornal tinha? A mesma que eu: nenhuma. Apenas algumas leituras de jornais e o chamado “chute probabilístico”.

Como é o tal do “chute probabilístico”?

1.     É possível que Eike resolva aderir a delação? É possível, como é possível que não aceite. Está-se no mero campo das conjeturas. Mas há uma boa probabilidade que delate.

2.     Se ele for delatar, qual seria o tema? Não sei, mas li em um jornal que, num depoimento espontâneo à PF, Eike reclamou do BNDES. Logo, irá delatar o BNDES.

Eike praticamente não negociou com o BNDES. Os recursos que entraram foram através dos bancos intermediários, que assumiam a análise de crédito e de risco. E todos os financiamentos foram garantidos por bens pessoais do empresário. Aliás, sua queixa justamente era essa: a do banco ter exigido garantias pessoas dele.

Vai delatar o quê, então? Que o BNDES não exigiu o mesmo de outros clientes? Ora, essa informação está ao alcance de qualquer procurador e já foi explorada até o limite por outras operações. Jamais servia de aval para qualquer delação.

Duas suposições, sem nenhuma relação com fatos concretos, sem conversar com o advogado, menos ainda com Eike, sem falar com procuradores ou delegados, permitiram criar uma manchete e lançar suspeitas sobre um dos alicerces da economia brasileira, o BNDES. Quem disse que a pós-verdade é praticada apenas por sites apócrifos?

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Levany Júnior

Levany Júnior é Advogado e diretor do Blog do Levany Júnior. Blog aborda notícias principalmente de todo estado do Rio Grande do Norte, grande Natal, Alto do Rodrigues, Pendências, Macau, Assú, Mossoró e todo interior do RN. E-mail: [email protected]

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