ALTO DO RODRIGUES RN-Modelo de indicação ao STF é um atraso institucional, por André Costa Lucena


Modelo de indicação ao STF é um atraso institucional, por André Costa Lucena

Do Justificando
por André Costa Lucena
A imparcialidade e a independência do Judiciário são requisitos fundamentais para a solidez dessa instituição. Quando se põe em xeque esses dois requisitos, o problema vai além da funcionalidade. A questão reside na confiabilidade da instituição. Não se pode confiar em uma instituição que, por natureza, deve ser independente, quando essa mesma instituição, na figura do Supremo Tribunal Federal, torna-se passível de se tornar, em maior ou menor medida, uma arena de atuação de um governo.
Tendo como base o valor inegociável de que o juiz deve ser imparcial, não deveria ser possível conceber, ainda que em sistemas democráticos frágeis como no Brasil, a ideia de um Judiciário sem independência substancial, sobretudo por causa da natureza da atividade jurisdicional – juízes devem respeitar o contraditório e julgar – e do alto grau de expectativa que a população deposita sobre esse próprio Judiciário.
Cortes Supremas são, por natureza, políticas, e mesmo em democracias cujo patamar de republicanismo é elevado (Estados Unidos, por exemplo), não parece haver objeção à ideia de que os membros de uma Corte Suprema adotem posicionamentos políticos. No mesmo sentido, é natural que juízes, inclusive os do STF, adotem, cada um à sua maneira, pensamentos mais progressistas ou conservadores.
Aliás, partindo da premissa de que a transparência é um instrumento de controle e prevenção da corrupção, é saudável que juízes e ministros manifestem suas opiniões acerca de temas espinhosos ou rotineiros – claro, dentro dos limites éticos da magistratura. O raciocínio é simples: uma vez que a população molda o seu comportamento a partir de modelos estabelecidos pela instituição Judiciário, é preferível que os membros desse poder sejam claros quanto às suas ideias e valores, sob risco dos jurisdicionados não terem noção – ou terem uma noção confusa – de quais parâmetros ideológicos serão utilizados por um Juízo ou um colegiado.
O modelo de indicação para a cadeira no STF é influenciado pelo modelo norte-americano. Por “influenciado”, leia-se copiado, numa tentativa de adaptação que não respeita as bases institucionais do Brasil. Trata-se de um hábito político brasileiro bastante nocivo, que se perpetua pela história do país: a inútil tentativa de encontrar soluções institucionais em outros países (o que não é maléfico) e incorporá-las à nossa realidade, sem qualquer ponderação sobre se isso será frutífero (o que é maléfico).
Dada a realidade brasileira, que historicamente se manifesta pelo pouco compromisso republicano dos agentes políticos, é preciso que seja pensado um modelo de indicação para o STF que minimize os benefícios pessoais do ocupante do cargo de chefe do Executivo (e dos seus aliados) com a indicação, que se revela, nos termos atuais, como completamente subjetiva e um terreno fértil para articulações políticas, ainda que obedeça aos poucos claros critérios previstos no caput do artigo 101, da Constituição Federal.
Adotando uma visão mais sistemática da questão, para que não se pense que a origem desse sistema é um artigo de lei solto e impreciso, importante observar que ele está associado ao próprio fundamento da democracia brasileira. Assim como em grande parte dos demais países latino-americanos, o sistema brasileiro – formalmente democrático e presidencialista – tem a peculiar característica de concentrar, excessivamente, o poder de decisão no chefe do Executivo.
Pelo senso comum, a democracia consistiria em escolher, por meio de eleições, quem irá governar por um período certo de tempo. Apesar da totalmente questionável legitimidade de Temer para ocupar o cargo que ocupa, o fato é que o poder de decisão está, hoje, nas mãos dele. Assim, quais são os mecanismos reais pelos quais a população pode manifestar a sua insatisfação com o governo? Instigado esse debate, cabe, ainda, perguntar: qual o papel dos órgãos autônomos no controle dos atos do Executivo?
A literatura é vasta no sentido de afirmar que o fortalecimento da democracia está diretamente relacionado à maior autonomia e independência dos órgãos de controle: os clássicos Legislativo e Judiciário, Tribunais de Contas, agências estatais, órgãos de fiscalização, em geral. Não é preciso muito esforço para perceber que a população, em regra, dá muito mais atenção às medidas certas ou erradas do chefe do Executivo do que àquilo que está ou não sendo feito para a garantia da autonomia e da independência real dos órgãos de controle, entre eles, o Judiciário.
Por essas razões, no caso específico da indicação de Alexandre de Moraes para o STF, o fato de um agente político próximo a Temer, filiado ao principal partido da base do governo, com trajetória política notadamente guiada pela política partidária; ser indicado para o cargo de ministro da Corte é de um retrocesso institucional profundo. A razão disso não é, necessariamente, o grau de isenção do futuro ministro. A razão principal do retrocesso da indicação é o baque à credibilidade do STF, haja vista a futura e permanente desconfiança da população, dos agentes públicos e do mercado quanto à imparcialidade de Alexandre de Moraes.
O peso da dúvida em uma instituição que deve zelar pela previsibilidade é, seguramente, enorme. A sensação é de que Temer, com essa nomeação, ampliou a lógica do presidencialismo de coalizão para o STF, que deveria ser, por sua natureza, totalmente avesso a isso.
Em que pese o perfil conservador e punitivista do ministro indicado – que vai na contramão de um perfil voltado à concretização e respeito dos direitos fundamentais -, este é um outro debate, que realmente é interessante. Quanto à indicação, em si, da forma como se deu – e que poderia e pode acontecer, pelo atual sistema, com qualquer partido que assuma o poder, se não houver mudanças na Constituição – esta revela o atraso institucional de um sistema que, desde a sua origem, no Brasil, em nada contribui para a imparcialidade e a independência do STF.
André Costa Lucena é Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Especializando em Prática Judicante pela Escola Superior da Magistratura da Paraíba – ESMA PB. Advogado.
[1] Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
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Levany Júnior

Levany Júnior é Advogado e diretor do Blog do Levany Júnior. Blog aborda notícias principalmente de todo estado do Rio Grande do Norte, grande Natal, Alto do Rodrigues, Pendências, Macau, Assú, Mossoró e todo interior do RN. E-mail: [email protected]

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