ABPGC EM FOCO-19 milhões de brasileiros vivem com fome; consequências na saúde são irreversíveis


Mais da metade da população brasileira — 116 milhões de pessoas — vive com algum grau de insegurança alimentar. Ao menos 19 milhões estão passando fome, situação agravada pela pandemia e pela crise econômica do país. Os dados são de levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).

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Há muitas consequências decorrentes da insegurança alimentar e da fome. Segundo especialistas consultados pela CNN Brasil, elas envolvem problemas de saúde que se transformam em mazelas sociais, econômicas e educacionais e podem ser irreversíveis, sobretudo nas crianças.

Há três graus de insegurança alimentar, o leve, o moderado e o grave, que acontecem pela preocupação em não ter o que comer, pela falta de acesso pleno a alimentos até a fome de fato, explica Milene Pessoa, professora do Departamento de Nutrição da Escola de Enfermagem da UFMG, que estuda os efeitos da insegurança alimentar no Brasil.

“Qualquer grau de insegurança alimentar pode causar comprometimento na saúde, indo de deficiências de macronutrientes, como proteínas e carboidratos, à falta de micronutrientes, como minerais e vitaminas, até chegar ao ponto de o corpo parar de funcionar”, afirma Pessoa.

Segundo a nutricionista da UFMG, as principais vítimas da insegurança alimentar são as crianças, já que, no caso delas, a condição pode comprometer o crescimento e o desenvolvimento físico e cognitivo necessários para que rompam a bolha da pobreza extrema, explica a nutricionista.

Dados da Fundação Abrinq mostram que 18 milhões de crianças estão em situação de insegurança alimentar no Brasil.

“As crianças que passam fome podem ter um comprometimento importante no desenvolvimento e um déficit de estatura por idade, causando a desnutrição crônica. A fome também está associada a déficits cognitivos porque pode causar anemia, que é a ausência de ferro, importante no desenvolvimento de órgãos, tecidos e para o funcionamento cerebral. E esse déficit pode ser irreversível em situações graves”, afirma Pessoa.

No caso de adultos malnutridos, o problema é especialmene perigoso em idosos e as gestantes, que correm mais risco de morrer nesta situação.

Como a fome afeta o organismo?

O corpo precisa de nutrientes para funcionar e se desenvolver organicamente, sexualmente e cognitivamente, e grande parte deles vem dos alimentos, afirma o endocrinologista Nelson Vinícius Gonfinetti, do Instituto Castro.

“Se você não tem nutrientes, o corpo vai atrasando o desenvolvimento. Crianças desnutridas demoram para entrar na puberdade, atrasam seu crescimento e ficam menores, tudo isso para preservar o funcionamento do organismo”, afirma o endocrinologista.

Por isso, para um bom desenvolvimento, a criança e o adulto precisam ter uma alimentação balanceada e equilibrada, com uma quantidade mínima de proteína, gorduras e carboidratos, que cada corpo precisa para manter seu funcionamento e garantir seu desenvolvimento.

“Toda alimentação desequilibrada, com excesso de ultraprocessados ou rica em carboidratos e gorduras, e pobre em vitaminas e proteínas, causa desequilíbrio e consequentemente a desnutrição”, diz Gonfinetti.

A desnutrição é constatada pela correlação entre peso e altura, medido pelo índice de massa corpórea (IMC). Pessoas com IMC menor do que 17 já podem ser consideradas desnutridas.

Junto à má alimentação vêm os efeitos metabólicos do excesso de gordura e carboidratos na alimentação. Além de desnutridas, estas pessoas têm maior disposição a desenvolver colesterol alto e diabetes ao longo do tempo.

Embora as doenças crônicas atinjam mais os adultos, crianças que se alimentam mal tendem a sofrer as consequências no futuro, com risco maior de desenvolver as mesmas doenças. “Quanto mais avançar a idade, pior se torna o quadro metabólico”, diz Gonfinetti.

Por que as crianças são as principais vítimas?

A desnutrição em crianças tende a ser mais devastadora em menores de cinco anos porque nesta fase da vida o sistema imunológico delas fica muito fragilizado e menos resistente às doenças, afirma a neonatologista Vanessa Mouawad, do Hospital Albert Einstein.

“Um resfriado, uma diarreia é capaz de matar uma criança desnutrida. E nos menores de dois anos, que estão em pleno desenvolvimento, o déficit nutricional pode impactar física e mentalmente”, diz.

Uma criança desnutrida é visivelmente muito magra e apresenta quadros alternados de sonolência e irritação, apatia, dificuldade de fixar conteúdos e pode até apresentar problemas respiratórios. E nos casos de desnutrição crônica, elas têm diminuição de estatura.

“A longo prazo, os estudos de epigenética mostram que o corpo tem propensão a doenças se ele não for nutrido adequadamente. Crianças alimentadas de forma errada no começo da vida serão adultos doentes”, diz Mouawad. A neonatalogista explica que a amamentação é uma forma de manter a criança bem nutrida até um ano de idade. Mas, a desnutrição da mãe também pode afetar a qualidade do leite materno.

“O ideal seria essa mãe também ser cuidada, tomar pelo menos três litros de água por dia, se alimentar bem, mas em uma situação de fome sabemos que nem sempre isso é possível, infelizmente”, opina. “Uma alimentação com base no arroz com feijão, verduras e em frutas como bananas podem ajudar a nutrir o organismo das crianças e adultos e evitar a desnutrição severa”, finaliza Mouawad.

Carga dupla de má nutrição

Há outro efeito da insegurança alimentar que também pode trazer sérios problemas de saúde.

É o que os nutricionistas chamam de ‘carga dupla da má nutrição’ — a coexistência entre o excesso do consumo de produtos ultraprocessados (ricos em açúcar, sal, gordura e conservantes) e a falta de nutrientes na alimentação, explica Milene Pessoa, da UFMG.

“Isso acontece em função de um padrão alimentar estimulado pelo alto consumo de ultraprocessados que, ao contrário dos alimentos básicos, não sofreram tanto aumento de preço, são mais baratos, porém muito maléficos à saúde por serem pobres em nutrientes e causam sobrepeso e obesidade”, diz Pessoa. “Então, uma mesma família que passa por uma situação de insegurança alimentar pode ter indivíduos obesos, que é a associação de diferentes graus de insegurança alimentar”, completa.

Uma pesquisa realizada pela Unicef Brasil no ano passado apontou que 49% da população brasileira com 18 anos ou mais declarou ter mudado os hábitos alimentares durante a pandemia, e aproximadamente um em cada cinco brasileiros dessa faixa etária passou por algum momento em que não tinha recursos para comprar comida. Mas como a insegurança alimentar não é caracterizada somente pela quantidade, mas também pela qualidade do que se consome, algumas famílias sem problemas financeiros também podem viver sob esta condição, embora de grau leve, explica Pessoa.

“A base da alimentação saudável é a comida que nós precisamos preparar, como arroz, feijão e vegetais, que já faz parte da nossa história e cultura alimentar. Mas para que se atinja isso, há uma gama de fatores, que envolvem investimento em políticas públicas”, afirma a nutricionista.

Problema de saúde pública

Segundo a professora da UFMG, nos últimos cinco anos houve um desmantelamento das políticas de segurança alimentar e nutricional no país, que envolvem agricultura familiar e urbana, educação alimentar e nutricional. E, com isso, a perda de chances reais de informar sobre os alimentos mais importantes e de transformar o ambiente alimentar no entorno das casas das pessoas, que favoreça as escolhas saudáveis.

“Para evitar a disseminação deste padrão alimentar, é fundamental a criação e manutenção de políticas de acesso e de educação alimentar, de pleno emprego e de educação financeira que ensine a calcular quanto se gastaria fazendo a feira em comparação com os ultraprocessados”, opina. “Enquanto elas [as políticas] não estão consolidadas, é preciso manter a distribuição de cestas básicas”, defende Pessoa.

A insegurança alimentar, como um todo, é também um problema de saúde pública, não apenas individual na visão da professora da UFMG. Isso porque a má alimentação aumenta o risco de se desenvolver doenças crônicas e mentais, que tendem a sobrecarregar o Sistema Único de Saúde.

“Já temos evidências robustas na literatura científica mostrando a associação de ultraprocessados e doenças crônicas como diabetes, doenças cardiovasculares, hipertensão, câncer; e também a associação com problemas de saúde mental como depressão e ansiedade que sobrecarregam o sistema de saúde”, diz.

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