Olá Ana Carolina Garcia. Como você muitas outras pessoas também não conseguem entender toda a grande simbologia que aparece no livro do Apocalipse e em particular no cap. 12, que é o alvo de sua pergunta. Vou seguir, de forma resumida, alguns estudiosos do tema que apresentam indicativos, que podem nos ajudar a entender um pouco o que o redator do Ap. 12 quis dizer, e, também, levando em consideração a situação histórica do tempo a que ele se refere. Lembro que no livro do Apocalipse e em particular, o cap.12, encontramos uma grande mensagem de esperança para o povo cristão, assim como em Dn 7.

O cap.12 vem logo depois da seção das trombetas e dos ais (Ap 8,6 – Ap 11,15-19) que anunciam o fim do reinado da injustiça e da mentira e a pertença do mundo unicamente ao reinado de Deus e de seu filho Jesus Cristo, cf. Ap 11,15. A partir de Ap 12 começa a descrição do triunfo de Deus sobre todas as forças maléficas, que oprimem e discriminam o povo, causadas principalmente pelo Império Romano.

A situação histórica que está por trás do livro do Apocalipse é momento de grande perseguição aos cristãos, desenvolvida em duas etapas pelos Imperadores romanos, Nero (64-65dC.) e Domiciano (81 a 96 dC), o confronto com a ideologia do império Romano, e com outras doutrinas estranhas ao cristianismo. Os cap. 12 a 22 são escritos na época da perseguição de Domiciano.

Podemos dividir o texto em 3 partes:

  1.  Ap 12,1-6 em que aparece a figura da mulher grávida e o dragão
  2. Ap 12, 7-12 que fala da queda do dragão
  3. Ap 12,13-18 apresenta a luta do dragão contra a mulher que havia dado a luz a um menino

Para Pablo Richard esse cap. 12 tem um forte caráter mítico em que dois mitos antagônicos – a mulher, representando a vida e o dragão (monstro), representando a morte, se enfrentam no céu. Na antiguidade era muito conhecido o mito da luta cósmica entre a mulher e o monstro. O autor de Ap 12, toma também elementos do Primeiro Testamento para construir esse capítulo. Por exemplo, a figura do povo de Deus como uma mulher: em Is 66,5-9 = a mulher que dá a luz a um povo novo; Is 26,17-19 = onde a ressurreição de um povo é como um parto; em Gn 3,15= a inimizade que existia entre a mulher e a serpente. E, também, dos monstros míticos que nele são citados: Is 27,1 (Leviatã); Jó 40,15 (Behemot), Am 9,3 (a serpente do mar). Fonte: Apocalipse – Reconstrução da Esperança. Pablo Richard. Petrópolis: Vozes, 1999.

É importante ressaltar que nos cap. 4 a 11 do livro do Apocalipse, o redator olha para acontecimentos da época do ano 33, da morte e ressurreição de Jesus Cristo e a partir dele faz uma descrição das etapas da ação de Deus na História. Já, a partir de Ap. 12, o autor, que está vivendo nos anos 90 dC., faz um retorno ao início da Criação até a vitória de Jesus sobre toda a morte, na sua Ressurreição, cf. Ap 12,5-6, onde fala de Jesus que nasce, morre e volta para o céu. Desta forma apresenta de forma simbólica, um resumo desde a Criação até a Ressurreição de Jesus. A intenção do autor é mostrar a vitória de Jesus, já alcançada no céu, também no mundo terreno. Por isso, não há porque temer, a forças do mal não poderão prevalecer, cf. Ap 12,11.16.

Seguindo também as indicações de Carlos Mesters e Francisco Orofino, temos que:

A mulher representa a vida, a humanidade, as comunidades cristãs em luta para manter sua fé em Jesus Cristo, morto e ressuscitado e assim dar a luz o projeto de Deus na história, projeto de Justiça e Paz (Ap 12,1).

O monstro (dragão ou antiga serpente) representa o poder do mal que é hostil a Deus e ao povo seguidor de Jesus Cristo. Com a sua ideologia ele sustenta a injustiça, o mal (o Império Romano).

A mulher (a vida, a humanidade, as comunidades cristãs) que aparece vestida de sol, com a lua abaixo dos pés e com uma coroa de doze estrelas, representam a proteção de Deus que é dada dia e noite à humanidade e às comunidades cristãs.

A mulher em dores de parto representam as comunidades cristãs que estão sendo perseguidas, portanto que sofrem para se manterem fiéis a Jesus Cristo e ao Reino de Deus, dando origem a  nova sociedade justa e fraterna, o que era inverso à ideologia do império dominante.

O grande dragão com sete cabeças e sete diademas representam os sete reis do império romano (de Nero a Domiciano) que dominaram na época. A sua cor avermelhada lembra o sangue derramado na guerra e o sofrimento causado pela injustiça.

O dragão tem dez chifres e, por isso é considerado como quem tem um poder imperfeito, porque não tem doze chifres, que seria a perfeição (plenitude).

A cauda que varre 1/3 das estrelas simboliza a vontade do dragão de tomar poder também no céu, como o poder de Deus.

A mulher foge para o deserto lembra o tempo da caminhada do Êxodo, onde Deus socorre e ampara o povo.

O tempo de 1260 dias ou 3 anos e meio (veja Dn 7,25), é também a quantificação de: um tempo, tempos e metade de um tempo, equivalendo a 3 anos e meio, que  é a metade de sete anos. É um tempo que vai passar, não é definitivo, porque é considerado imperfeito, pois está limitado pelo poder de Deus.

O vômito ou o rio de água que o dragão solta atrás da mulher simboliza o Império Romano, que domina com sua ideologia e quer matar a vida, a humanidade. A terra, a História da Salvação, vem em socorro da mulher e engole o domínio do Império Romano.

Os filhos da mulher, os que observam os mandamentos de Deus e os que permaneceram fiéis a Jesus Cristo são agora o alvo do dragão. Está chegando a perseguição de Domiciano.

O cap 12 termina com um suspense, pois o dragão fica a beira do mar esperando para atacar os que lutavam contra a morte causada pela injustiça imperial dominante. Fonte: Apocalipse de João. Esperança, Coragem, Alegria. Carlos Mesters e Francico Orofino. São Leopoldo; São Paulo: Cebi; Paulus, 2002.

Lembro que no livro do Apocalipse aparece uma grande liturgia celestial na qual são entoados diversos cânticos. Em Ap 12,10-12, temos um belo cântico da vitória de Deus sobre o mal.