“Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás tanto a ti mesmo como aos que te ouvem” (1Tm 4:16).

O livro que eu escolhi para iniciar os Estudos Bíblicos aqui no blog (caso queira saber mais sobre como surgiu essa ideia, você pode acessar o texto anterior clicando aqui) é o livro de Judas, que você pode encontrar em sua Bíblia antes do livro de Apocalipse. É um livro de grande importância, embora seja muito pouco lido – seria talvez por causa do seu nome? – e também é muito breve, conta apenas com 25 versículos.

Algo que me chama muita atenção em Judas é o seu tema. Trata-se de uma epístola que nos adverte a respeito do perigo das heresias, que são os falsos ensinos que têm se infiltrado na Igreja desde o seu nascimento, e que tentam corromper a doutrina que nos foi ensinada pelos apóstolos. Elas geralmente são inseridas por falsos mestres, que passam a frequentar a Igreja e buscam notoriedade e confiança da comunidade. Conquistando isso, começam, gradativamente, a ensinar; e a incitar a comunidade eclesiástica a praticar as heresias que vão sendo ensinadas.

 

Esta leitura que estarei compartilhando com vocês não foi a primeira que eu fiz desta carta, eu já conhecia o livro, pois ele havia sido estudado num grupo de estudo bíblico do qual participei por um tempo, há alguns meses atrás. E também já tinha ouvido, em certa ocasião, uma pregação do Reverendo Augustus Nicodemus sobre esta epístola. Trarei, portanto, ao longo dos posts de estudo da carta de Judas; elementos aprendidos também destas duas fontes.

Heresias são os falsos ensinos que têm se infiltrado na Igreja desde o seu nascimento, e que tentam corromper a doutrina que nos foi ensinada pelos apóstolos.

Sobre o Autor

Quem escreveu este livro, naturalmente, não foi Judas Iscariotes, aquele que traiu Jesus por 30 moedas de prata e que depois, angustiado pelo remorso, cometeu suicídio (Mt 26:14-16; Mt 26:23-25; Mt 27:3-5; Mc 3:19). O nome Judas era muito comum entre os Judeus naquela época, muitas pessoas compartilhavam desse nome. A maioria dos estudiosos acredita que o Judas escritor desta epístola tenha sido um dos irmãos de Jesus, que são mencionados em Mc 6:3 (conforme também Mt 13:55; Gl. 1:19; Gl. 2:9) filho de Maria e de José. Sendo assim, este Judas, possivelmente, era meio-irmão carnal de Jesus.

A princípio, durante um tempo, Judas, assim como outros de seus irmãos, não acreditava que Jesus era o Filho de Deus, e nós não temos conhecimento de como ele e Tiago – também meio-irmão de Jesus – vieram a receber a fé salvadora e a se tornarem, posteriormente, líderes da Igreja Cristã, que ainda estava nascendo. Ao ler o versículo 1, podemos perceber que, mesmo sendo irmão de Jesus, quando Judas escreve sua epístola ele se identifica como “servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago”. Em vez de expôr seu parentesco com Jesus – como quem pede de seus leitores um reconhecimento maior de sua autoridade por causa deste fato – ele se coloca como servo de seu irmão mais velho, Jesus Cristo, e faz referência a Tiago (seu irmão, filho tanto de José quanto de Maria) que, possivelmente, era mais conhecido que ele mesmo.

As heresias geralmente são inseridas por falsos mestres, que passam a frequentar a Igreja e buscam notoriedade e confiança da comunidade. Conquistando isso, começam, gradativamente, a ensinar; e a incitar a comunidade eclesiástica a praticar as heresias que vão sendo ensinadas.

A quem a Carta se destina

Ainda no primeiro verso, Judas destina a carta “aos chamados, amados em Deus Pai e guardados em Jesus Cristo” (Jd 1:1). Ele faz uma referência muito geral, não declara a audiência para um público específico, como Paulo geralmente o faz (Rm 1:7; 1Co 1:2; 2Co 1:1; Gl 1:2; Ef 1:1; Fp 1:1; Cl 1:2; 1Ts 1:1; 2Ts 1:1). Ao não fazer essa referência específica, Judas nos permite supor que ele esteja escrevendo, não a uma igreja em particular, mas a várias comunidades de uma mesma região que, por sua vez, estavam enfrentando o mesmo problema: a confusão doutrinária, que é o motivo desta carta.

Ele está exortando energicamente os falsos mestres. Não facilita, não vê nenhuma boa intenção, não vê sinceridade nenhuma neles. O que ele faz é expô-los e colocá-los debaixo do juízo de Deus.

Características da Epístola

A epístola de Judas foi escrita em um grego de elevado nível literário, tendo sido redigida, provavelmente, entre os anos 70 e 75, entre os judeus radicados fora da Palestina. Ainda que breve, apresenta um forte caráter polêmico: sua redação nos revela que o autor nutria um ânimo resoluto de fazer frente a “certos indivíduos” indesejáveis, que dissimuladamente infiltravam na igreja ensinamentos contrários ao evangelho (vs. 4-7; 14-15; 23). Não sabemos de que pessoas se tratava, nem se estavam relacionados com alguma doutrina conhecida do pensamento religioso da época. Mas está claro que Judas não se refere a um simples perigo que estava por vir, mas a algo que havia começado a danificar interiormente a igreja (senão a comunidade cristã em geral naquela época, pelo menos a comunidade destinatária imediata da epístola).

Já na apresentação, no versículo 1, pode-se perceber que o autor gosta de “triplos”. Esta característica aparece, por exemplo, quando ele se refere aos irmãos destinatários da carta como “chamados, amados e guardados” (v. 1). Judas começa a carta assegurando que aqueles crentes fiéis em Cristo Jesus são chamados por Deus, por Ele amados e guardados na verdadeira fé em Jesus Cristo. Ele, de forma muito apropriada, revela esse cuidado em passar uma palavra de segurança e tranquilidade aos verdadeiros servos do Senhor, que frequentavam aquela igreja. No verso 2, ele usa novamente mais um “triplo”, pedindo que “misericórdia, paz e amor” fossem multiplicadas entre os irmãos.

Era um dano cuja gravidade era acentuada pelo fato de que aqueles que o causavam se denominavam ‘cristãos’

Também são citados em triplos:

  • Três exemplos da justiça divina: o dos israelitas incrédulos, o dos anjos rebeldes e o das cidades da planície, a saber: Sodoma e Gomorra (vs. 5-7);
  • Três tipos de maldade: a de Caim, a de Balaão e a de Coré (v. 11);
  • Três classes de homens maus: murmuradores, descontentes e que andam segundo as suas paixões (v. 16);
  • Três maneiras de proceder para com os que erram: “compadecei-vos de alguns que estão na dúvida”, “salvai-os, arrebatando-os do fogo” e “sede também compassivos em temor” (vs. 22, 23).

A dureza da linguagem, outra característica deste texto, revela quão grande era a preocupação de Judas em combater as heresias e os falsos mestres. Ele adverte sobre as consequências da confusão espiritual e da depravação moral -características que tanto podem conduzir alguém a aceitar uma doutrina falsa como sendo verdadeira, como podem ser consequências desta aceitação – que podiam afastar as pessoas ingênuas (que não tinham fundamentado a convicção de sua fé no ensino original dos apóstolos do Senhor) aos ensinamentos e ao comportamento dos falsos mestres, contra os quais Judas escreve.

Era um dano cuja gravidade era acentuada pelo fato de que aqueles que o causavam se denominavam “cristãos”: eram indivíduos que participavam nas “festas de fraternidade” (lit. ágape) da congregação (v. 12), mas que, arrastados pela sua própria sensualidade (v. 19), haviam caído na devassidão. Por isso Judas os chama de “ímpios, que transformaram em libertinagem a graça de Deus” (v. 4), que “murmuram e se degradam, sendo aduladores de outros, por motivos interesseiros” (v. 16). Acusa-os de negar a Deus “o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo” (v. 4); de rejeitar o “governo” e difamar as “autoridades superiores” (v.8); de causar divisões e de não terem o Espírito de Deus (v. 19).

Judas apoia as suas palavras com figuras e representações do Antigo Testamento: o caso representativo de pecado e juízo que ocorreu com Sodoma e Gomorra (v. 7; cf. Gn. 19:1-24); a questão do temor a Deus e completa sujeição a Ele, representada pelo arcanjo Miguel (v. 9; cf. Gn. 4:3-8; Nm. 22:1-35: Nm. 16:1-35) e o testemunho da profecia de “Enoque, o sétimo depois de Adão” (v. 14; cf. Gn 5:21-24), fazendo, igualmente, alusão a algumas tradições judaicas não-bíblicas (vs. 6, 9, 14, 15), conhecidas naquele tempo, para exemplificar a mensagem que desejava passar aos seus irmãos em Cristo.

A dureza da linguagem, outra característica deste texto, revela quão grande era a preocupação de Judas em combater as heresias e os falsos mestres.

Um breve panorama do Livro

A carta apresenta duas grandes divisões. Na primeira, que vai do verso 3 até o verso 19, ele fala desses falsos mestres. Diz que essas pessoas devem ser confrontadas (vs. 3, 4), que eles já estão condenados (vs. 5-7), que eles têm um caráter reprovado (vs. 8-13) e que eles já são conhecidos desde a antiguidade (vs. 14-19). Do verso 20 até o verso 25, ele muda de tom. Até aqui ele vai usar uma linguagem popular – ele está exortando energicamente os falsos mestres. Não facilita, não vê nenhuma boa intenção, não vê sinceridade nenhuma naqueles falsos mestres. O que ele faz é expô-los e colocá-los debaixo do juízo de Deus. Mas, quando ele volta para a igreja, para aqueles que estão sendo enganados, o tom muda. Ele agora tem um tom pastoral. Ele diz, a partir do verso 20, que os irmãos devem cuidar de si (vs. 20, 21), têm que compadecer-se daqueles que estão sendo enganados (vs. 22, 23), e eles têm que confiar que Deus haverá de guardá-los (vs. 24, 25).

Confesso que, durante muito tempo não tive interesse nenhum em apologética. Ao ler o que Judas registrou e ver o seu exemplo, fui apresentada à importância de realmente conhecer a Revelação Divina, zelar pela conservação de sua pureza e a andar consoante à mensagem cristã.

Implicações cotidianas do conteúdo da Epístola

Os falsos mestres e as falsas ideias ainda estão entre nós. Alguns deles, como os da Igreja Primitiva, continuam por perto. Quando os encontrarmos, não devemos usar de tolerância para com os seus ensinos. Eles devem ser denunciados, e os crentes, prevenidos. Judas também nos ensina como podemos identificar os verdadeiros pastores da Igreja e os falsos líderes que nela se infiltram para corromper a sã doutrina.

Mas quando ele se volta para aqueles que estão sendo enganados, ele tem um tom pastoral. Diz que os irmãos devem cuidar de si (vs. 20,21), se compadecer daqueles que estão sendo enganados (vs. 22,23) e têm que confiar que Deus haverá de guardá-los (vs. 24, 25).


Alguém já disse certa vez que, se nós pudéssemos comparar a atitude de Judas ao escrever sua carta, poderíamos evocar a analogia de uma pessoa que está saindo às pressas de sua casa para levar uma mensagem importante para alguém, quando ouve o telefone tocar. Por um instante a pessoa fica na dúvida entre atender ou não, mas logo depois volta, e atende a ligação. Ao fazer isso e ouvir a mensagem, precisa sentar-se. As notícias são assustadoras. Uma pessoa querida está em grande perigo e precisa de sua ajuda imediatamente. A mensagem que precisava ser entregue agora já não é mais tão urgente. O que importa agora, é salvar a pessoa que está em perigo.

No início desta carta, seu escritor nos expõe, no versículo 3, que estava se preparando para escrever uma carta aos seus irmãos na fé “acerca da salvação comum”. Aprentemente, esta seria uma carta vibrante e valiosa, muito agradável de se ler. Mas, em meio a este processo, ele descobriu que a comunidade cristã tinha sido invadida por determinadas pessoas que estavam lhes ensinando muitas doutrinas heréticas. E não pôde se eximir da responsabilidade de alertá-los quanto ao grande perigo que estes enganos trariam àqueles irmãos!

Infelizmente meu desprezo à apologética me levou a tirar das Escrituras a autoridade suprema em minha vida e a me deixar levar por interpretações errôneas que me afastaram da fé genuína, pendendo para o liberalismo.

Essa atitude de Judas traz sobre nós uma responsabilidade muito grande. Muitas vezes procuramos divulgar uma mensagem evangelística que encoraje os novos cristãos, ou pessoas que estão passando a conhecer a fé cristã. Às vezes nos dedicamos com tanto afinco em compartilhar a mensagem do Evangelho e tantas outras doutrinas relacionadas e de extrema importância, como mortificação do pecado e santificação, necessidade de evangelização… mas deixamos de lado a necessidade de defendermos a nossa fé dos falsos ensinos e heresias! Este é um grave erro, pois todas as doutrinas bíblicas estão unidas, relacionadas e devem ser consideradas com a mesma medida de seriedade e a mesma porção no ensino de nossas igrejas.

Confesso que, durante muito tempo, eu não tive interesse nenhum em apologética (o estudo de defesa da fé cristã; ou, em outras palavras, um estudo que zela por sua doutrina e a conserva em sua genuinidade ao apresentá-la a outras pessoas). Ao perceber que, muito sabiamente, houve um contexto em que o escritor desta epístola notou que seus irmãos na fé necessitavam ser exortados a conhecer bem o que criam para não se deixarem enganar pelos falsos mestres – e a repreender estas pessoas quando as encontrassem – bem como a se compadecer de quem estivesse em dúvida a respeito da veracidade destes ensinos; fui apresentada à importância de realmente conhecer a Revelação Divina, zelar pela conservação de sua pureza e a andar consoante à mensagem cristã deixada por Jesus aos seus apóstolos (os doze e Paulo), baseada numa interpretação adequada, não sincrética, secularizada.

Infelizmente meu desprezo à apologética me levou a tirar das Escrituras a autoridade suprema da minha vida e a me deixar levar por interpretações errôneas e que me afastaram da fé cristã genuína, pendendo para o liberalismo, e até para um certo “sincretismo” religioso. É lamentável perceber que este não é um “privilégio” meu. Nesta geração temos sido fortemente influenciados a cair nestes erros aos quais os apóstolos já exortavam a Igreja Cristã a combater em seus primórdios e, ainda hoje, essa exortação permanece, ecoando até os nossos ouvidos.

Podemos descansar, sabendo que o Senhor ‘é poderoso para [nos] guardar de tropeçar, e apresentar [-nos] irrepreensíveis, com alegria, perante a Sua glória” (Jd 1:24).

Vivemos tempos em que a mensagem que esta carta nos traz se faz mais que necessária. Como bem disse João Calvino em seu Argumento do Comentário sobre Judas, de sua autoria: “Ora, se considerarmos o que Satanás tem empreendido em nossa época, desde o início do evangelho restaurado, e que artifícios ele ainda emprega ativamente para subverter a fé, e o temor a Deus, o que foi um alerta útil no tempo de Judas é mais do que necessário em nossa época” (p.1). Contudo, não devemos guardar esse zelo somente para nós, mas através deste zelo, instruirmos outros irmãos a agirem da mesma forma. E podemos descansar, sabendo que o Senhor, apesar das grandes lutas contra a compreensão e vivência pura da Sua Palavra, “é poderoso para [nos] guardar de tropeçar, e apresentar[-nos] irrepreensíveis, com alegria, perante a Sua glória” (Jd 1:24). Como Judas, que não buscou glórias a si mesmo se identificando como meio-irmão de Jesus, mas humildemente restringiu sua apresentação ao parentesco com Tiago (v. 1), devemos nos portar de modo humilde em toda a nossa vida, mas principalmente quando estivermos em uma situação que solicite de nós ensino e exortação.

“Mas isto [como continuou Calvino] se mostrará mais completamente na medida em que prosseguirmos na leitura da Epístola” (p.1), e eu te espero na semana que vem para tratarmos mais detalhadamente a respeito deste assunto tão sério.

Que Deus abençoe os nossos estudos em Sua Palavra para iluminação de Sua glória na face de Cristo (2Co 4:6)!

Soli Deo Gloria,

Kathy.

*Referências adicionais utilizadas neste estudo:

Bíblia de Estudo Almeida. Barueri-SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2013. 1856 p. Tradução de João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada – 2ª edição.

Bíblia de Estudo da Mulher. Belo Horizonte: Atos, 2002. 1346 p. Tradução de João Ferreira de Almeida. Edição Revista e Corrigida – Fiel ao Texto Original.

BUCKLAND, A.R., WILLIAMS, L. Dicionário Bíblico Universal. Trad. Joaquim dos Santos Figueiredo. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Vida, 2007. 620p.

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